segunda-feira, 23 de novembro de 2015

EXPRESSÕES POPULARES...

 




Muitas das expressões populares que utilizamos no dia-a-dia, têm uma razão de ser e por vezes significados que assentam em factos históricos, quer da nossa cultura quer da cultura mundial. Existem aquelas expressões muito portuguesas assim como outras traduzidas. Estas expressões acabaram por se enraizar na linguagem do dia-a-dia, de Norte a Sul do país, sendo usadas sem que se saiba por vezes a sua origem. As suas origens são controversas mas fundamentam-se em alguns factos, uns mais curiosos que outros, que aqui se irão relatar.


"A casa da mãe Joana", é uma expressão popular da língua portuguesa, usada também no Brasil e em países de expressão portuguesa. Significa um lugar sem organização, sem regras onde todos mandam, onde cada um se serve livremente e faz o que quer.

 
Como exemplos:

 
"Tire os seus sapatos de cima do meu sofá! O que pensa que isto é? Que isto aqui é a casa da mãe Joana?"


 "Entra gente e sai naquela casa a toda a hora, aquilo parece a casa da mãe Joana…"


A expressão "casa da mãe Joana" teve origem no século XIV, segundo alguns autores e foi criada graças a Joanna I (1326 – 1382), rainha de Nápoles e condessa de Provença. Esta monarca terá tido uma vida conturbada e em 1346 mudou de residência para Avignon, em França. Segundo esses autores afirmam, esta mudança ocorreu porque Joana se envolveu numa conspiração em Nápoles que resultou na morte de seu marido André, enquanto outros indicam que Joanna foi exilada pela Igreja por viver de uma forma sem regras e permissiva. Em 1347, quando tinha 21 anos, Joanna frequentou os bordéis da cidade onde vivia refugiada, criou certas regras para impedir que alguns frequentadores agredissem as prostitutas e saíssem sem pagar. Para as meretrizes, Joanna era como uma mãe e por isso os bordéis eram conhecidos como "casa da mãe Joana". Em Portugal, surge a expressão paço-da-mãe-joana, que era um sinonimo de prostíbulo. A expressou chegou ao Brasil e como "paço" não é uma palavra comum, foi mudado para "casa", e a expressão "casa de mãe Joana" passou a significar o lugar onde cada pessoa faz o que bem entende, sem respeitar nenhum tipo de normas. No caso do Brasil também, existe ainda uma versão que remonta à época do Segundo Império, em que os homens importantes tinham por habito frequentar os bordeis cariocas e um dos preferidos seria o de uma senhora chamada Joana. Surgiram ainda as derivações da expressão com o mesmo significado, nomeadamente em Portugal; "Ser o da Joana" ou "Casa da Maria Joana".



Rainha Joanna I 1326-1382, do manuscrito de Giovanni Boccaccio De mulieribus claris
                                                                                       (col. Bibliothèque Nationale de France)
                                               

                                                                    Representação da rainha Joanna I de Nápoles (col. priv.)


                                          Ambiente de bordel da época medieval com os respectivos banhos (col. priv.)


      Representação de bordel por Joachim Beuckelaer, 1562 (col. Walters Art Museum)
   

                                                                Ambiente de bordel de luxo em meados do séc. XIX (col. pess.)





"Cai o Carmo e a Trindade", é uma expressão popular portuguesa com origem como tantas outras na cidade de Lisboa, nomeadamente com o terramoto de 1755 (já desenvolvido em artigo anterior) e que se espalhou de norte a sul de Portugal. Significa um facto ou um acontecimento de grande impacto que provocam incredulidade ou, por ironia, factos sem importância dos quais se receiam consequências graves.


Como exemplos:


"Quando ele vir a desarrumação lá em casa cai o Carmo e a Trindade!"


"O barulho dos trabalhadores é tal que parece que cai o Carmo e a Trindade."

 
A expressão "Cai o Carmo e a Trindade" terá tido origem segundo alguns autores, com a destruição de dois conventos importantes da cidade de Lisboa com o Grande Terramoto de 1755. Os conventos do Carmo e da Trindade, eram antes do Grande Terramoto, dois dos mais importantes conventos do Bairro Alto lisboeta e por sua vez duas importantes áreas que constituíam a freguesia histórica do Sacramento. O convento da Trindade ou da Santíssima Trindade, fundado por D. Afonso II (1185 – 1223), em 1218, vindo a pertencer à Ordem dos Trinitários.  O grandioso e monumental convento do Carmo, fundado por D. Nuno Álvares Pereira (1360 – 1431), o Condestável de Portugal, em 1389, foi ocupado inicialmente por frades da Ordem dos Carmelitas da Antiga Observância. A expressão popular remete para o sismo de 1755, já que a zona da freguesia foi uma das mais prejudicadas, tendo esses dois conventos ruído, para grande desgosto e terror dos lisboetas perante a tragédia. Na manhã do dia 1 de novembro de 1755, ouviu-se um enorme estrondo durante o sismo, era manhã cedo e os dois conventos, tal como outros templos, estavam cheios de fiéis que assistiam à missa do Dia de Finados. Caíra o Carmo e a Trindade. Quando os habitantes descobriram qual tinha sido a causa de tal barulheira, terão gritado incrédulos: "Caiu o Carmo e a Trindade…" , e dai terá surgido a expressão popular "Cai o Carmo e a Trindade". Desses dois locais simbólicos, o antigo convento do Carmo, em que a igreja, ainda hoje se encontra praticamente como ficou depois do Grande Terramoto, tendo sido reconstruida uma ala do convento, mas interrompidos os trabalhos em 1834 aquando da extinção das ordens religiosas em Portugal. Na parte habitável do convento foi instalada em 1836 um quartel militar (actualmente pertencente à GNR) e em 1863 o Museu Arqueológico do Carmo, no restante espaço, onde se mantém até hoje. O convento da Trindade ainda foi reconstruido, tendo durado mais umas décadas, mas acabou por ser parcialmente destruído mais tarde em 1835, para a abertura da rua Nova da Trindade, tendo a CML dividido o espaço em lotes. No que restou do edifício e espaços contíguos, incluindo o antigo refeitório do convento, foi lá instalada desde 1836 a Fábrica de Cerveja da Trindade e mais tarde, a famosa Cervejaria Trindade, ainda hoje existente. A fachada e parte do interior do edifício, estão revestidas com alguns azulejos retirados das ruínas do mesmo convento assim como muita da cantaria antiga foi ai reutilizada.

 
     Representação de mapa toponímico do séc. XV vendo-se os conventos do Carmo e o da Trindade (col. priv.)
    
 

                                              Reconstituição da fachada do convento da Trindade por Alberto de Souza (col. pess.)



                                                        Reconstituição da fachada do convento do Carmo em Lisboa (col. pess.)
                                     


                                             Maqueta do convento do Carmo (col. Museu da Cidade, Lisboa)
 

 
                                                       Lisboa antes e durante o Grande Terremoto de 1755
                                                                            in gravura de Mateus Sautter séc. XVIII (col. priv.)
 
 
                                       Aspecto dos efeitos do Grande Terramoto e maremoto de 1755 em Lisboa (col. pess.)
 
                        
Largo e ruínas da igreja do convento do Carmo em meados do início do séc. XX (arq. AML)
                 
 
 
                                       Ruínas no interior da igreja do convento do Carmo na actualidade (arq. pess.)
                 
 
                                 Aspecto das ruínas e arcos góticos no interior da igreja do convento do Carmo (arq. pess.)
 
 
                                       Aspecto geral do convento do Carmo e o elevador de Santa Justa (arq. pess.)

 
     O antigo refeitório do convento da Trindade transformado em sala da cervejaria Trindade em 1938 (arq. priv.)
 
 
Aspecto do que restou do antigo convento da Trindade com painéis de azulejos do séc. XVIII
integrado na Cervejaria Trindade (foto Paulo Nogueira)
 
 
                                                         O que restou do antigo refeitório do convento da Trindade transformado
                                                                       em sala da Cervejaria Trindade na actualidade (arq. priv.)

 
                                             Entrada da Cervejaria Trindade na rua Nova da Trindade (arq. pess.)

 

 
 

Texto:
Paulo Nogueira

 

Fontes e bibliografia:
SANTOS, António Nogueira, Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas, Edições João Sá da Costa, Lisboa
NEVES, Orlando, Dicionário das Origens das Frases Feitas, Lello & Irmãos Editores, Porto DIAS, Marina Tavares, Lisboa Desaparecida, vol.  4 , Quimera Editores Lda, Lisboa 1994

 

 

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