terça-feira, 25 de abril de 2017

MURAIS REVOLUCIONÁRIOS DO PÓS 25 DE ABRIL

 

 

 

Após a revolução do dia 25 de abril de 1974 em Portugal, uma ditadura que já batera recordes de longevidade é derrubada em menos de 24 horas, assim como as suas instituições de repressão e a guerra colonial que se arrastava há quase mais de uma década como uma causa perdida. De referir que tal como em todas as revoluções deste cariz existem sempre partes a favor e outras contra, assim como uns que perdem direitos e outros que os ganham. Não deixa pois de ser uma questão sempre rodeada de muita controvérsia.
Em Portugal, a grande explosão da utilização do espaço público urbano como suporte pictórico para escritos políticos ou sociais ocorreu com a extraordinária dinâmica após a revolução e as conquistas de abril. Foi a forma de expressão que o povo usou para se manifestar de forma livre, talvez na opinião de muitos, mais uma forma exagerada de expressar essa liberdade, mas num momento de grande exteriorização de sentimentos e reivindicações, como foi o pós revolução do 25 de abril, será compreensiva esta forma de reacção.
Como nota pessoal, não concordo actualmente com certo tipo de graffitis (como se passou a designar esta forma de arte urbana), fora de espaços adequados, como em transportes públicos, monumentos, entre outros espaços não autorizados, assim como riscos sem sentido para a maioria, a que chamam graffitis, que só tornam feias e vandalizam as cidades e espaços públicos.
Mas, no pós revolução do 25 de abril, o país com estes murais revolucionários, enche-se de cores vivas, um arco-íris contrastando com o cinzento a que, com razão ou se ela, cada vez mais se associa o antigo regime, que assim parece ficar mais distante. E é nomeadamente nas comemorações do 10 de junho de 1974, que quarenta e oito artistas plásticos das mais variadas tendências são convidados para pintar um extenso painel colectivo numa parede interior do Mercado do Povo, uma feira de artesanato que funcionava na zona ribeirinha de Belém, em Lisboa. No final do dia, já se podia apreciar um extenso painel de 24 metros de comprimento por 4,5 de altura, com os naturais desequilíbrios de um puzzle cujas peças têm todas origem diferente. O painel do Mercado do Povo em Belém, será também um estímulo à expressão da criatividade no espaço público através a pintura mural, que, como será inevitável pela intensidade da luta ideológica, aparecerá nas ruas muito mais carregada quanto às suas tonalidades políticas. Este painel que se encontrava na Galeria de Belém, foi destruído por um incêndio ocorrido em 20 de agosto de 1981.


Capitão Salgueiro Maia na praça do Comércio junto às tropas rendidas
no dia 25 de abril de 1974 (foto de Alfredo Cunha)
 
 
Cerco do Largo do Carmo no dia 25 de abril de 1974 (arq. Fundação Mário Soares)


Capitão Salgueiro Maia falando para os civis no Largo do Carmo
no dia 25 de abril de 1974 (arq. priv.)

 
Militares e civis e tanque no Largo do Carmo em 25 de abril de 1974 (arq. priv.)
 

Soldado retirando o retrato de Oliveira Salazar,
no dia 25 de abril ditando o fim do regime
(arq. priv.)


Mural revolucionário alusivo ao 25 de abril em Coruche (arq. priv.)


Publico apreciando o grande painel do Mercado do Povo em Belém em 10 de junho de 1974 (arq. priv.)


Pintores de murais revolucionário no pós 25 de abril de 1974 (arq., priv.)




As cidades e vilas tornam-se o espaço físico de eleição onde a contestação e reivindicação adquirem visualidade através de escritos, desenhos e pinturas públicas. Desde paredes, portas, muros, e mobiliário urbano diverso foram apropriados como plataforma do combate político, mas também como espaço onde a sociedade civil podia exprimir as suas exigências ou protestos, angústias e esperanças, foram o suporte para a visualidade do sonho e da crítica. Ninguém neste período ousa opor-se à pintura de uma parede exterior, que só por estar na via pública fornece automaticamente direito de utilização ao primeiro grupo de artistas políticos que dela se aproximar. A partir de abril de 1974, as reivindicações foram as mais variadas: o fim da guerra colonial, o regresso da tropa, a solidariedade com outros povos e nações, a nacionalização de empresas, o saneamento de administradores, a prisão de colaboracionistas, transformações sociais e políticas, a indignação com a interferência estrangeira, o aumento dos vencimentos, a semana de 40 horas, o 13º salário, o apelo à greve, e sobretudo, a convocação à participação em manifestações de índole diversa. Ao lado dos cravos, símbolo desta revolução de abril, surgem punhos fechados, pombas brancas, foices e martelos, bandeiras vermelhas, símbolos industriais, armas e claro os respectivos emblemas partidários. Pelo seu cariz de execução e carácter de apelo, as pinturas murais foram criadas, na sua maioria, por artistas plásticos, e obedeciam a formulações estéticas que se vinculavam a escolas de pensamento artístico e a matrizes iconográficas. Artistas e intelectuais envolvem-se na produção iconográfica mantendo o anonimato, o que diminui a exigência estética e aumenta a sua capacidade de trabalho. Das mais pequenas e improvisadas imagens, quase em esboço, com traços rápidos, imperfeitos e inacabados, outros naif como o estilo adoptado por exemplo, pela UDP e os "otelistas", até aos grandes murais de complexa execução, obras colectivas de estética planeada, reminiscentes dos murais neorrealistas mexicanos do princípio do século XX, ou o padrão heróico da Revolução Cultural chinesa dos anos 60, adoptado pelo MRPP, todos eles constituem um património urbano efémero pela distância que o tempo acaba por impor às emoções e aos sentimentos. Para além dos slogans e palavras de ordem, dos apelos ou denúncias, da assertividade e das metáforas e hiperbolizações, da ironia e do sarcasmo, as gramáticas pictóricas e as técnicas visuais – o cromatismo, a iconografia, o traço, a composição denunciavam filiações e correspondências estéticas e políticas. A eficácia de todo este esforço propagandista é duvidosa, pois não são os partidos que mais paredes pintam aqueles que obtêm os melhores resultados eleitorais.


Pintores de murais revolucionários do pós 25 de abril de 1974 (arq. priv.)


Mural revolucionário alusivo ao 25 de abril (arq. priv.)



Comemorações do 1 de maio de 1975 junto a mural revolucionário (arq. priv.)



Mural revolucionário do pós 25 de abril do PCP nos arredores de Lisboa (arq. priv.)


Mural revolucionário da  GDUP na rua Maria Pia em Lisboa
(arq. Centro de documentação 25 de abril)


Mural revolucionário naif do pós 25 de abril alusivo ao povo e aos militares em Portalegre
 (arq. Centro de documentação 25 de abril)


Mural revolucionário do pós 25 de abril alusivo aos trabalhadores
em prédio de bairro social nos Olivais, Lisboa (arq. priv.)


Mural revolucionário do pós 25 de abril alusivo à Reforma Agrária no Alentejo (arq. priv.)

Mural revolucionário do pós 25 de abril em Évora, foto Conceição Neuparth
(Centro de Documentação 25 abril)
 

Mural revolucionário do PS em Santo António dos Cavaleiros em 1978
(arq, Centro de documentação 25 de abril)



Murais revolucionários em Lisboa alusivos
a partidos políticos
do pós 25 de abril de 1974 (arq. priv.)




Foi no clima social e político pós-PREC que se criou o extenso mural de pintura de cariz revolucionário na parede sudeste do Instituto Superior Técnico de Lisboa (IST), na Av. Manuel da Maia. Não por acaso, o IST era palco recorrente de manifestações e plenários estudantis, onde pontificavam as forças políticas mais à esquerda. Assim se enquadrou a realização desta pintura mural figurativa de grandes dimensões, de autoria desconhecida, colectiva certamente, da responsabilidade do MRPP e inspirada na estética visual propagandista do maoísmo chinês da década de 1960. O painel pode ser dividido em três espaços, a que correspondem outras tantas acções e idealismos. Cada um destes sectores é ilustrado por uma mensagem, a qual equivale a uma posição política, exposta numa faixa empunhada pela multidão. A massa popular num aglomerado, não está passiva, reage e age sobre outras figuras. Este conjunto ganha então o seu sentido completo, estava-se no período de campanha eleitoral às eleições presidenciais de 1976. A 12 de junho iniciou-se a campanha com os candidatos militares Ramalho Eanes, Otelo Saraiva de Carvalho e Pinheiro de Azevedo, e o civil Octávio Pato do PCP. Quinze dias depois consumava-se a eleição de Ramalho Eanes à primeira volta, com cerca de 62% de votos, eleito como primeiro presidente da República em sufrágio livre e universal. Algumas dessas imagens e "palavras de ordem" de cariz politico perduram nos dias de hoje. Para sempre ficarão na memória slogans como: "25 de Abril sempre", "O povo unido jamais será vencido", "A terra a quem a trabalha" e o " O povo é quem mais ordena".


Mural revolucionário no Instituto Superior Técnico de Lisboa em 1976 (arq. AML)



Mural revolucionário do 25 de abril com frase célebre desta data (foto Henrique Matos)



Mural revolucionário do 25 de abril com frase celebre da Reforma Agrária
(arq. Centro de documentação 25 de abril)


Extracto de mural revolucionário com frase célebre alusivo ao 25 de abril de 1974
(arq. Centro de documentação 25 de abril)




E durante os anos que se seguiram era hábito verem-se, fazendo quase já parte da paisagem urbana quer nas cidades quer em vilas e aldeias, estes murais revolucionários por toda a parte, quase nos habituamos à sua presença por todo o lado. Mas o tempo passou, a política, as formas de propaganda e expressão também e com o tempo estes murais, marcos de um período e época da história recente de Portugal, desapareceram, uns naturalmente pela acção do tempo, outros foram apagados com novas pinturas e outros até pela demolição dos espaços onde estavam representados. Ficaram as memórias de quem se lembra e os registos fotográficos de alguns exemplos para a posteridade. Não se pode deixar de considerar que esta forma de expressão foi o antepassado dos actuais graffitis, ou arte urbana, que como já referi, não aprecio nem defendo, fora dos espaços adequados, daí não pretender com este artigo defender nem condenar, apenas contar o que foi um período da nossa história recente. Nas décadas que se seguiram era tradição, nas comemorações do 25 de abril, pintarem-se paredes e muros para relembrar este acontecimento, aproveitando por vezes esses novos murais a cada ano, para expressar desagrado pelas políticas em vigor, com o tempo essa tradição perdeu-se.
Em 2014, por ocasião das comemorações dos 40 anos do 25 de abril de 1974, vários artistas num trabalho conjunto, elaboraram um mural em Alcântara, alusivo a esta data e acontecimento. Numa iniciativa idealizada por António Alves, antigo muralista do MRPP. O trabalho que se estende por vários metros é marcado pela fusão de traços e técnicas tradicionais do muralismo revolucionário do pós 25 de abril e da street art. Pinturas típicas dos anos 70 coexistem com uma escultura em baixo relevo do artista urbano Vhils e com graffitis que mostram uma manifestação na Assembleia da República. Outro mural comemorativo de 2014, é o que se pode observar em Lisboa no exterior da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa. Um trabalho que expressasse a visão dos mais jovens acerca da Revolução de abril. Os artistas escolhidos para este trabalho foram Frederico Draw, Gonçalo Ribeiro, Diogo Machado e Miguel Januário, este mura evoca e homenageia a revolta militar de 25 de abril de 1974. A ideia surgiu a propósito do ciclo de conferências A Revolução de abril – Portugal 1974-1975, organizado pela Universidade Nova no Teatro D. Maria II, de 21 a 24 de abril. Do trabalho colectivo resultou um mural que retrata também um dos heróis da Revolução, o capitão do exército português Salgueiro Maia (1944 - 1992), rodeado de punhos erguidos pintados com as cores da bandeira portuguesa.
Mesmo já sem murais nem slogans, o que se pretende é que o espírito do 25 de abril de 1974 não se perca, nunca mais, principalmente no que respeita à verdadeira democracia, direitos de todos e liberdade de expressão, esta última sempre com moderação e respeito pelo semelhante.

 


Extracto de mural revolucionário do pós 25 de abril alusivo ao povo e às forças armadas
(arq. priv.)



Mural revolucionário do pós 25 de abril alusivo ao MFA (arq. priv.)


 

Mural comemorativo doa 40 anos do 25 de abril de 1974 em Alcântara, Lisboa em 2014
(arq. José Pacheco Pereira)



Fase de início do mural alusivo às comemorações dos 40 anos do 25 de abril na Av. de Berna
no exterior da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa (arq. priv.)
 


Mural alusivo às comemorações dos 40 anos do 25 de abril na Av. de Berna
no exterior da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa (arq. priv.)




Extracto de mural alusivo ao 25 de abril de 1974 de 2014 (arq. priv.)








Texto:
Paulo Nogueira

Fontes e bibliografia:
FERREIRA, José Medeiros, Portugal em Transe (1974-1985), in José Mattoso (dir.), História de Portugal, vol. 8., Estampa, Lisboa, 1994
VIEIRA, Joaquim, PORTUGAL SÉCULO XX, Crónica em Imagens 1970 - 1980, p. 124 a 126. p. 130 a 133. Círculo de Leitores, Lisboa, 2000
CEREZALES, Diogo Palacios, O poder caiu na rua. Crise de Estado e acções colectivas na Revolução Portuguesa (1974-1975), Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2003




domingo, 16 de abril de 2017

AMÊNDOAS DA PÁSCOA







Um dos significados das amêndoas durante a Páscoa é o mesmo dos ovos da Páscoa, ícone de fecundidade e renovação, remontando a tradições vindas de diversos pontos do país e do mundo que por sua vez significa nascimento e vida, logo estará associado à Ressureição de Jesus. Os católicos praticantes acreditam que a amêndoa possa simbolizar Jesus, isto porque Jesus tem uma natureza divina escondida por detrás da sua natureza humana, o mesmo acontece com a amêndoa (tem o interior e a cobertura). Em Portugal uma das tradições da Páscoa é a troca de amêndoas doces (confeitadas), entre o padrinho ou madrinha com o seu afilhado/a. A tradição mais antiga consiste em oferecer o folar da Páscoa, sendo que essa tradição tem vindo a ser trocada por outras prendas, sendo a oferta de amêndoas da Páscoa a principal. No entanto, dar e receber amêndoas da Páscoa não é só entre padrinhos e afilhados, são também trocadas com outros membros e amigos da família, sendo que na mesa do dia de Páscoa esta guloseima está sempre presente. As amêndoas doces já faziam parte das tradições da Roma Antiga onde eram usadas como iguarias nas comemorações de casamentos e nascimentos. Para esses festejos as amêndoas tinham a cobertura de mel. Esta técnica das amêndoas doces cobertas com mel manteve-se até à Idade Média. Registos históricos indicam que as amêndoas confeitadas foram os doces servidos em 30 de dezembro de 1501 no banquete do casamento de Lucrécia Bórgia (1480 - 1519) e Alfonso I d’Este (1476 - 1534), filho de Ercole I (duque de Ferrara). Esse hábito acabou e difundindo por toda a Itália entre os séculos XVIII e XIX.


A Ressurreição de Jesus por Perugino em 1499 (col. priv.)



Tradicionais folares da Páscoa com amêndoas coloridas
como ofertas da Páscoa em Portugal (arq. pess.)



Amêndoas caramelizadas em mel, técnica usada na Roma antiga (arq. priv.)



Representação de banquete romano por Roberto Bompiani em 1875 (col. priv.)



Variedade de amêndoas simples com mel (arq. priv.)

 

Típico banquete de casamento renascentista por Sandro Botticelli em 1483 (col. priv.)




Com a introdução da cultura da cana-de-açúcar, desenvolvida pelos portugueses no Brasil a partir do início do século XVI, as amêndoas passaram a ser cobertas com esse novo ingrediente, o açúcar. As amêndoas confeccionadas a partir do século XVIII já tinham cobertura de açúcar (confeitadas), sendo preparadas em grandes recipientes de cobre. Em França, mais propriamente em Verdun, na região de Lorraine, um farmacêutico inventou a técnica da amêndoa açucarada (dragée), em francês, procurando com isso um método para facilitar a conservação e o transporte das amêndoas.
Em Portugal, os conventos passam a confeccionar este doce, pelo que são célebres as amêndoas e os confeitos de Coimbra. Tomemos como exemplo o Convento de Sant’Ana que as fazia, sobretudo, por ocasião das festas do Corpo de Deus, oferecendo-as aos anjinhos e às crianças que incorporavam a procissão. Os confeitos acabaram por se popularizar em outras épocas festivas, como é o caso dos casamentos e dos baptizados.Nos casamentos a tradição era de que cinco amêndoas fossem embaladas com um tecido caro e nobre para ser um desejo de fertilidade, saúde, longevidade, riqueza e felicidade para os noivos. A tradição na Itália também era a da distribuição de amêndoas confeitadas, a quantidade também era de cinco amêndoas que igualmente tinham os mesmos cinco significados. Na França a tradição de oferecer as amêndoas nos casamentos é, segundo a tradição, com o objectivo de combater a esterilidade do casal.
Como curiosidade, no século XVI, quando os portugueses desembarcaram no Japão, levaram pão-de-ló, biscoitos e confeitos, acabando por integrar a sua gastronomia. Uma das figuras mais conhecidas terá sido o missionário católico Francisco Xavier (1506 - 1552), que chegou à ilha de Tanegashima, sul do Japão, no ano de 1549, para iniciar o trabalho de evangelização no arquipélago. Quando um navio mercantil português aportou, levavam, entre várias mercadorias, os referidos doces para presentear um senhor feudal. Ainda hoje quando os japoneses visitam Coimbra procuram e compram com avidez os tão famosos confeitos.

A partir de meados do século XIX, a industrialização entrou em campo no fabrico das amêndoas, com as fábricas desses confeitos que eram muito modernas, facilitando a produção em larga escala. Até meados do século XIX, as amêndoas confeitadas fabricavam-se de forma manual, artesanalmente, a partir de 1850 surgiu a primeira turbina mecânica, como era designada esta máquina de produção de amêndoas e drageias confeitadas. Surgem a partir de então, vários tipos de amêndoas. Lê-se no Larousse Gastronomique que; "quer se trate de confeitos de amêndoas, de avelãs ou de pistáchios, de confeitos envolvidos por amêndoas torradas aos pedacinhos ou de confeitos recheados, a técnica de confecção é sempre a mesma; só muda o recheio, as amêndoas mais afamadas são de origem italiana (as "avolas", chatas e regulares), as espanholas ("planetas"), ligeiramente abauladas, que são menos regulares. As amêndoas são colocadas na turbina, molhadas três vezes com uma mistura de goma arábica e açúcar, secas e depois cobertas com um xarope de açúcar concentrado; são de seguida branqueadas (num xarope de açúcar a que se adicionou amido), depois polidas e eventualmente coloridas". Esta técnica de produção industrial manteve-se, com algumas evoluções tecnológicas, mas basicamente é a mesma que ainda hoje é usada na produção das amêndoas da Páscoa. Em tons de castanho, cores pastel, mais garridas ou brancas, com chocolate, preto, branco e castanho, as saborosas amêndoas, passaram a ser o presente de eleição de troca na Páscoa em Portugal e um símbolo Pascal. 



Moagem de cana de açúcar na Fazenda Caxeira, em Campinas, Brasil, s.d. 
óleo sobre tela com base na gravura de Hércules Florence
 (col. Museu Paulista da Universidade de São Paulo)



Açúcar branco refinado (arq. pess.)



Coimbra no séc. XVI por Braun & Hogenberg, 1598 (col. pess.)



Chegada dos portugueses ao Japão em arte Namban
representada em biombo do século XVI
(col. priv.)


Transporte de mercadorias e oferendas de uma caravela portuguesa
aquando da chegada dos portugueses ao Japão no século XVII
em arte Namban representada em biombo (col. priv.)



Representação de confeitos de açúcar em natureza morta do séc. XVII por Josefa de Óbidos
(col. Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa)



Acessórios e utensílios para a confecção de amêndoas da Páscoa
e confeitos no século XVIII (col. pess.)


Confecção de amêndoas da Páscoa e confeitos no século XVIII (col. pess.)



Preparação das amêndoas em calda de açúcar nos tradicionais tachos de cobre (arq. priv.)



Amêndoas confeitadas em açúcar (arq. priv.)



Variedades de amêndoas italianas confeitadas (arq. priv.)




Modelo da designada turbina de drageias, também usada
 para o fabrico de amêndoas no século XIX (col. pess.)



Fabrico de amêndoas e drageias em sistema industrial em 1904 (col. pess.)



Amêndoas da Páscoa confeitadas em açúcar em cores diversas (arq. pess.)



Fabrico de amêndoas da Páscoa em turbinas na actualidade (arq. priv.)

 
Amêndoas da Páscoa empacotadas de diversos tipos (foto Paulo Nogueira)




As amêndoas da Páscoa tradicionais, são normalmente brancas ou coloridas (rosas e azuis sobretudo) e em açúcar, mas também são tradicionais as com chocolate por dentro ou até por fora (por vezes polvilhadas com canela). As designadas "amêndoas francesas". Modernamente, a amêndoa é muitas vezes substituída por avelã, pistáchio, amendoim e chocolate, por vezes pinhões, torrados ou não, que dão origem a umas pequenas amêndoas, um pouco mais pequenas do que os ovos de carriça (ave de pequena dimensão). Mais recentemente, já no século XX, o fundador da confeitaria Arcádia no Porto em 1933, Manuel Pereira Bastos, trouxe de Paris a receita das amêndoas de fantasia com licor ou as drageias Bonjour, como também são conhecidas. Este tipo de amêndoas de Páscoa, são feitas de dentro para fora e ganham forma através de camadas sucessivas de açúcar. O ritual prossegue com o alinhar das amêndoas em tabuleiros rectangulares, às quais se conferem formas tão diversas como bebés, de base azul ou cor-de-rosa, cantis, frutos, flores, passarinhos, feijões, favas, ervilhas, num total de 30 referências. Tudo feito, ainda hoje, de forma artesanal, com grande paciência, gosto e precisão, o que obriga a trabalhar todo o ano para vender em apenas 15 dias. São um dos presentes mais desejados por muitos afilhados, que se encantam com estes confeitos de açúcar de formas diversas, pequenas obras de arte, que, rompida a camada fina de açúcar endurecido, inundam a boca com os sabores delicados de licores. Há ainda a versão cobertas de açúcar caramelizado torradas e muitas outras versões confeccionadas por esta tradicional confeitaria portuguesa. No entanto muitas outras confeitarias portuguesas também passaram a produzir, cada uma com a sua receita, estes tipos de amêndoas da Páscoa. Para além da confecção destes confeitos pascais, são várias as histórias que chegam até nós de hábitos antigos de oferenda de amêndoas na altura da Páscoa. Figueira da Foz, Monsanto, Alcobaça, Afife, São Brás de Alportel e Torre de Moncorvo são disso um exemplo. No Minho era costume as raparigas  oferecerem ovos aos rapazes, pedindo em troca que lhes dessem amêndoas. Na Figueira da Foz, o primeiro a escolher um padrinho e a pedir-lhe amêndoas, era o que as recebia no domingo de Páscoa. No Algarve, particularmente em São Brás de Alportel, no período pascal, confeccionam-se as chamadas "amêndoas tenras", ou "amêndoas molares", segundo uma receita tradicional em que se usa um tacho de cobre suspenso no tecto, onde o miolo da amêndoa torrada ou de pinhões é envolto numa calda de água com açúcar,  sendo este balançado agilmente sobre o calor de um fogareiro, até as amêndoas ficarem cobertas pelo açúcar, dando-lhe um aspecto cristalizado e macio.  Tradição esta muito semelhante à da confecção das "amêndoas moles" de Coimbra, confeccionadas pela confeitaria Briosa desde 1955. Em Torre de Moncorvo as amêndoas são enroladas à mão numa calda de açúcar por mulheres experientes. As amêndoas são primeiro peladas e torradas e só depois envolvidas na calda. Levam uma semana a fazer, rodando lentamente, e à mão, na calda de açúcar até ficarem prontas. O resultado final são umas amêndoas de capa branca, irregular, a fazer lembrar uma renda, podem ser só de açúcar, castanhas com chocolate ou com cacau e canela. Em Alcobaça ainda há quem mantenha o fabrico de amêndoas de forma artesanal. Além da versão coberta de açúcar caramelizado (castanhas e irregulares), também se fazem com recheio de frutas como framboesa ou limão. E eis como este pequeno confeito tão apreciado neste período da Páscoa, tem por si só uma longa história, que esteve e continua a estar ligado a tantas tradições e factos da história da humanidade. Com todos estes doces sabores desta festividade, votos de uma Santa e Feliz Páscoa com paz e harmonia no mundo.


Amêndoas da Páscoa de chocolate diversas (arq. priv.)
 
 

Amêndoa francesa típica (arq. priv.)
 
 
 
Amêndoas da Páscoa confeitadas de açúcar coloridas
em diversos tamanhos (arq. priv.)




 
Confeitaria Arcádia no Porto em meado dos anos 30 (arq. priv.)
 
 

Fabrico de amêndoas em sistema industrial de turbinas
em meados dos anos 50 na confeitaria Arcádia
(arq. priv.)
 
 

Decoração tradicional das amêndoas de fantasia com licor Bonjour
da confeitaria Arcádia na actualidade (arq. priv.)

 
 Embalagem de amêndoas de fantasia com licor Bonjour
da confeitaria Arcádia (fonte do fabricante)
 
 
 
 
Amêndoa da Páscoa torrada (arq. priv.)

 
 
 
 
Amêndoas tenras ou moles da Páscoa típicas
de São Brás de Alportel no Algarve
(arq. priv.)


Amêndoas tenras ou molares da Páscoa típicas de São Brás de Alportel no Algarve (arq. pess.)
 
 
 
Amêndoas moles de Coimbra da confeitaria Briosa
(fonte do fabricante)



Amêndoas de Torre de Moncorvo no tradicional recipiente em cobre onde são confeccionadas (arq. priv.)
 
 
Aspecto das amêndoas da Páscoa de Torre de Moncorvo
 (arq. priv.)



Amêndoas de Alcobaça (arq. priv.)


Aspecto das amêndoas da Páscoa de Alcobaça com chocolate
(arq. pess.)




Variedade de amêndoas da Páscoa na pastelaria Califa em Benfica em 2017
(fotos Paulo Nogueira)



Exposição de amêndoas de vários tipos e origens (arq. priv.)



Aspecto de doces da Páscoa com amêndoas confeitadas
de açúcar coloridas e de chocolate (arq. priv.)



 
Algumas iguarias típicas da Páscoa em Portugal incluindo as amêndoas (arq. priv.)



Diversos tios de amêndoas típicas da Páscoa (foto Paulo Nogueira)










Texto:
Paulo Nogueira


Fontes e bibliografia:
MONTAGNÉ, Prosper, Larousse Gastronomique, edição em português, edições Larousse, 2001
MODESTO, Maria de Lourdes e PRAÇAS, Afonso, Festas e Comeres do Povo Português, volumes I e II, Editorial Verbo, 1999
Sitio on line da confeitaria Arcádia
Sitio on line da confeitaria Briosa