domingo, 16 de abril de 2017

AMÊNDOAS DA PÁSCOA







Um dos significados das amêndoas durante a Páscoa é o mesmo dos ovos da Páscoa, ícone de fecundidade e renovação, remontando a tradições vindas de diversos pontos do país e do mundo que por sua vez significa nascimento e vida, logo estará associado à Ressureição de Jesus. Os católicos praticantes acreditam que a amêndoa possa simbolizar Jesus, isto porque Jesus tem uma natureza divina escondida por detrás da sua natureza humana, o mesmo acontece com a amêndoa (tem o interior e a cobertura). Em Portugal uma das tradições da Páscoa é a troca de amêndoas doces (confeitadas), entre o padrinho ou madrinha com o seu afilhado/a. A tradição mais antiga consiste em oferecer o folar da Páscoa, sendo que essa tradição tem vindo a ser trocada por outras prendas, sendo a oferta de amêndoas da Páscoa a principal. No entanto, dar e receber amêndoas da Páscoa não é só entre padrinhos e afilhados, são também trocadas com outros membros e amigos da família, sendo que na mesa do dia de Páscoa esta guloseima está sempre presente. As amêndoas doces já faziam parte das tradições da Roma Antiga onde eram usadas como iguarias nas comemorações de casamentos e nascimentos. Para esses festejos as amêndoas tinham a cobertura de mel. Esta técnica das amêndoas doces cobertas com mel manteve-se até à Idade Média. Registos históricos indicam que as amêndoas confeitadas foram os doces servidos em 30 de dezembro de 1501 no banquete do casamento de Lucrécia Bórgia (1480 - 1519) e Alfonso I d’Este (1476 - 1534), filho de Ercole I (duque de Ferrara). Esse hábito acabou e difundindo por toda a Itália entre os séculos XVIII e XIX.


A Ressurreição de Jesus por Perugino em 1499 (col. priv.)



Tradicionais folares da Páscoa com amêndoas coloridas
como ofertas da Páscoa em Portugal (arq. pess.)



Amêndoas caramelizadas em mel, técnica usada na Roma antiga (arq. priv.)



Representação de banquete romano por Roberto Bompiani em 1875 (col. priv.)



Variedade de amêndoas simples com mel (arq. priv.)

 

Típico banquete de casamento renascentista por Sandro Botticelli em 1483 (col. priv.)




Com a introdução da cultura da cana-de-açúcar, desenvolvida pelos portugueses no Brasil a partir do início do século XVI, as amêndoas passaram a ser cobertas com esse novo ingrediente, o açúcar. As amêndoas confeccionadas a partir do século XVIII já tinham cobertura de açúcar (confeitadas), sendo preparadas em grandes recipientes de cobre. Em França, mais propriamente em Verdun, na região de Lorraine, um farmacêutico inventou a técnica da amêndoa açucarada (dragée), em francês, procurando com isso um método para facilitar a conservação e o transporte das amêndoas.
Em Portugal, os conventos passam a confeccionar este doce, pelo que são célebres as amêndoas e os confeitos de Coimbra. Tomemos como exemplo o Convento de Sant’Ana que as fazia, sobretudo, por ocasião das festas do Corpo de Deus, oferecendo-as aos anjinhos e às crianças que incorporavam a procissão. Os confeitos acabaram por se popularizar em outras épocas festivas, como é o caso dos casamentos e dos baptizados.Nos casamentos a tradição era de que cinco amêndoas fossem embaladas com um tecido caro e nobre para ser um desejo de fertilidade, saúde, longevidade, riqueza e felicidade para os noivos. A tradição na Itália também era a da distribuição de amêndoas confeitadas, a quantidade também era de cinco amêndoas que igualmente tinham os mesmos cinco significados. Na França a tradição de oferecer as amêndoas nos casamentos é, segundo a tradição, com o objectivo de combater a esterilidade do casal.
Como curiosidade, no século XVI, quando os portugueses desembarcaram no Japão, levaram pão-de-ló, biscoitos e confeitos, acabando por integrar a sua gastronomia. Uma das figuras mais conhecidas terá sido o missionário católico Francisco Xavier (1506 - 1552), que chegou à ilha de Tanegashima, sul do Japão, no ano de 1549, para iniciar o trabalho de evangelização no arquipélago. Quando um navio mercantil português aportou, levavam, entre várias mercadorias, os referidos doces para presentear um senhor feudal. Ainda hoje quando os japoneses visitam Coimbra procuram e compram com avidez os tão famosos confeitos.

A partir de meados do século XIX, a industrialização entrou em campo no fabrico das amêndoas, com as fábricas desses confeitos que eram muito modernas, facilitando a produção em larga escala. Até meados do século XIX, as amêndoas confeitadas fabricavam-se de forma manual, artesanalmente, a partir de 1850 surgiu a primeira turbina mecânica, como era designada esta máquina de produção de amêndoas e drageias confeitadas. Surgem a partir de então, vários tipos de amêndoas. Lê-se no Larousse Gastronomique que; "quer se trate de confeitos de amêndoas, de avelãs ou de pistáchios, de confeitos envolvidos por amêndoas torradas aos pedacinhos ou de confeitos recheados, a técnica de confecção é sempre a mesma; só muda o recheio, as amêndoas mais afamadas são de origem italiana (as "avolas", chatas e regulares), as espanholas ("planetas"), ligeiramente abauladas, que são menos regulares. As amêndoas são colocadas na turbina, molhadas três vezes com uma mistura de goma arábica e açúcar, secas e depois cobertas com um xarope de açúcar concentrado; são de seguida branqueadas (num xarope de açúcar a que se adicionou amido), depois polidas e eventualmente coloridas". Esta técnica de produção industrial manteve-se, com algumas evoluções tecnológicas, mas basicamente é a mesma que ainda hoje é usada na produção das amêndoas da Páscoa. Em tons de castanho, cores pastel, mais garridas ou brancas, com chocolate, preto, branco e castanho, as saborosas amêndoas, passaram a ser o presente de eleição de troca na Páscoa em Portugal e um símbolo Pascal. 



Moagem de cana de açúcar na Fazenda Caxeira, em Campinas, Brasil, s.d. 
óleo sobre tela com base na gravura de Hércules Florence
 (col. Museu Paulista da Universidade de São Paulo)



Açúcar branco refinado (arq. pess.)



Coimbra no séc. XVI por Braun & Hogenberg, 1598 (col. pess.)



Chegada dos portugueses ao Japão em arte Namban
representada em biombo do século XVI
(col. priv.)


Transporte de mercadorias e oferendas de uma caravela portuguesa
aquando da chegada dos portugueses ao Japão no século XVII
em arte Namban representada em biombo (col. priv.)



Representação de confeitos de açúcar em natureza morta do séc. XVII por Josefa de Óbidos
(col. Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa)



Acessórios e utensílios para a confecção de amêndoas da Páscoa
e confeitos no século XVIII (col. pess.)


Confecção de amêndoas da Páscoa e confeitos no século XVIII (col. pess.)



Preparação das amêndoas em calda de açúcar nos tradicionais tachos de cobre (arq. priv.)



Amêndoas confeitadas em açúcar (arq. priv.)



Variedades de amêndoas italianas confeitadas (arq. priv.)




Modelo da designada turbina de drageias, também usada
 para o fabrico de amêndoas no século XIX (col. pess.)



Fabrico de amêndoas e drageias em sistema industrial em 1904 (col. pess.)



Amêndoas da Páscoa confeitadas em açúcar em cores diversas (arq. pess.)



Fabrico de amêndoas da Páscoa em turbinas na actualidade (arq. priv.)

 
Amêndoas da Páscoa empacotadas de diversos tipos (foto Paulo Nogueira)




As amêndoas da Páscoa tradicionais, são normalmente brancas ou coloridas (rosas e azuis sobretudo) e em açúcar, mas também são tradicionais as com chocolate por dentro ou até por fora (por vezes polvilhadas com canela). As designadas "amêndoas francesas". Modernamente, a amêndoa é muitas vezes substituída por avelã, pistáchio, amendoim e chocolate, por vezes pinhões, torrados ou não, que dão origem a umas pequenas amêndoas, um pouco mais pequenas do que os ovos de carriça (ave de pequena dimensão). Mais recentemente, já no século XX, o fundador da confeitaria Arcádia no Porto em 1933, Manuel Pereira Bastos, trouxe de Paris a receita das amêndoas de fantasia com licor ou as drageias Bonjour, como também são conhecidas. Este tipo de amêndoas de Páscoa, são feitas de dentro para fora e ganham forma através de camadas sucessivas de açúcar. O ritual prossegue com o alinhar das amêndoas em tabuleiros rectangulares, às quais se conferem formas tão diversas como bebés, de base azul ou cor-de-rosa, cantis, frutos, flores, passarinhos, feijões, favas, ervilhas, num total de 30 referências. Tudo feito, ainda hoje, de forma artesanal, com grande paciência, gosto e precisão, o que obriga a trabalhar todo o ano para vender em apenas 15 dias. São um dos presentes mais desejados por muitos afilhados, que se encantam com estes confeitos de açúcar de formas diversas, pequenas obras de arte, que, rompida a camada fina de açúcar endurecido, inundam a boca com os sabores delicados de licores. Há ainda a versão cobertas de açúcar caramelizado torradas e muitas outras versões confeccionadas por esta tradicional confeitaria portuguesa. No entanto muitas outras confeitarias portuguesas também passaram a produzir, cada uma com a sua receita, estes tipos de amêndoas da Páscoa. Para além da confecção destes confeitos pascais, são várias as histórias que chegam até nós de hábitos antigos de oferenda de amêndoas na altura da Páscoa. Figueira da Foz, Monsanto, Alcobaça, Afife, São Brás de Alportel e Torre de Moncorvo são disso um exemplo. No Minho era costume as raparigas  oferecerem ovos aos rapazes, pedindo em troca que lhes dessem amêndoas. Na Figueira da Foz, o primeiro a escolher um padrinho e a pedir-lhe amêndoas, era o que as recebia no domingo de Páscoa. No Algarve, particularmente em São Brás de Alportel, no período pascal, confeccionam-se as chamadas "amêndoas tenras", ou "amêndoas molares", segundo uma receita tradicional em que se usa um tacho de cobre suspenso no tecto, onde o miolo da amêndoa torrada ou de pinhões é envolto numa calda de água com açúcar,  sendo este balançado agilmente sobre o calor de um fogareiro, até as amêndoas ficarem cobertas pelo açúcar, dando-lhe um aspecto cristalizado e macio.  Tradição esta muito semelhante à da confecção das "amêndoas moles" de Coimbra, confeccionadas pela confeitaria Briosa desde 1955. Em Torre de Moncorvo as amêndoas são enroladas à mão numa calda de açúcar por mulheres experientes. As amêndoas são primeiro peladas e torradas e só depois envolvidas na calda. Levam uma semana a fazer, rodando lentamente, e à mão, na calda de açúcar até ficarem prontas. O resultado final são umas amêndoas de capa branca, irregular, a fazer lembrar uma renda, podem ser só de açúcar, castanhas com chocolate ou com cacau e canela. Em Alcobaça ainda há quem mantenha o fabrico de amêndoas de forma artesanal. Além da versão coberta de açúcar caramelizado (castanhas e irregulares), também se fazem com recheio de frutas como framboesa ou limão. E eis como este pequeno confeito tão apreciado neste período da Páscoa, tem por si só uma longa história, que esteve e continua a estar ligado a tantas tradições e factos da história da humanidade. Com todos estes doces sabores desta festividade, votos de uma Santa e Feliz Páscoa com paz e harmonia no mundo.


Amêndoas da Páscoa de chocolate diversas (arq. priv.)
 
 

Amêndoa francesa típica (arq. priv.)
 
 
 
Amêndoas da Páscoa confeitadas de açúcar coloridas
em diversos tamanhos (arq. priv.)




 
Confeitaria Arcádia no Porto em meado dos anos 30 (arq. priv.)
 
 

Fabrico de amêndoas em sistema industrial de turbinas
em meados dos anos 50 na confeitaria Arcádia
(arq. priv.)
 
 

Decoração tradicional das amêndoas de fantasia com licor Bonjour
da confeitaria Arcádia na actualidade (arq. priv.)

 
 Embalagem de amêndoas de fantasia com licor Bonjour
da confeitaria Arcádia (fonte do fabricante)
 
 
 
 
Amêndoa da Páscoa torrada (arq. priv.)

 
 
 
 
Amêndoas tenras ou moles da Páscoa típicas
de São Brás de Alportel no Algarve
(arq. priv.)


Amêndoas tenras ou molares da Páscoa típicas de São Brás de Alportel no Algarve (arq. pess.)
 
 
 
Amêndoas moles de Coimbra da confeitaria Briosa
(fonte do fabricante)



Amêndoas de Torre de Moncorvo no tradicional recipiente em cobre onde são confeccionadas (arq. priv.)
 
 
Aspecto das amêndoas da Páscoa de Torre de Moncorvo
 (arq. priv.)



Amêndoas de Alcobaça (arq. priv.)


Aspecto das amêndoas da Páscoa de Alcobaça com chocolate
(arq. pess.)




Variedade de amêndoas da Páscoa na pastelaria Califa em Benfica em 2017
(fotos Paulo Nogueira)



Exposição de amêndoas de vários tipos e origens (arq. priv.)



Aspecto de doces da Páscoa com amêndoas confeitadas
de açúcar coloridas e de chocolate (arq. priv.)



 
Algumas iguarias típicas da Páscoa em Portugal incluindo as amêndoas (arq. priv.)



Diversos tios de amêndoas típicas da Páscoa (foto Paulo Nogueira)










Texto:
Paulo Nogueira


Fontes e bibliografia:
MONTAGNÉ, Prosper, Larousse Gastronomique, edição em português, edições Larousse, 2001
MODESTO, Maria de Lourdes e PRAÇAS, Afonso, Festas e Comeres do Povo Português, volumes I e II, Editorial Verbo, 1999
Sitio on line da confeitaria Arcádia
Sitio on line da confeitaria Briosa


 

3 comentários:

  1. Respostas
    1. Muito obrigado pelo seu comentário.
      De facto as amêndoas da Páscoa são uma iguaria tão tradicional desta época do ano e que afinal também têm, na sua aparente simplicidade, tanta história para nos mostrar. Com este pequeno artigo foi a investigação e material possíveis de apresentar sobre o tema, para assim se perceber um pouco do porquê e origem desta iguaria tradicional.

      Eliminar