terça-feira, 25 de abril de 2017

MURAIS REVOLUCIONÁRIOS DO PÓS 25 DE ABRIL

 

 

 

Após a revolução do dia 25 de abril de 1974 em Portugal, uma ditadura que já batera recordes de longevidade é derrubada em menos de 24 horas, assim como as suas instituições de repressão e a guerra colonial que se arrastava há quase mais de uma década como uma causa perdida. De referir que tal como em todas as revoluções deste cariz existem sempre partes a favor e outras contra, assim como uns que perdem direitos e outros que os ganham. Não deixa pois de ser uma questão sempre rodeada de muita controvérsia.
Em Portugal, a grande explosão da utilização do espaço público urbano como suporte pictórico para escritos políticos ou sociais ocorreu com a extraordinária dinâmica após a revolução e as conquistas de abril. Foi a forma de expressão que o povo usou para se manifestar de forma livre, talvez na opinião de muitos, mais uma forma exagerada de expressar essa liberdade, mas num momento de grande exteriorização de sentimentos e reivindicações, como foi o pós revolução do 25 de abril, será compreensiva esta forma de reacção.
Como nota pessoal, não concordo actualmente com certo tipo de graffitis (como se passou a designar esta forma de arte urbana), fora de espaços adequados, como em transportes públicos, monumentos, entre outros espaços não autorizados, assim como riscos sem sentido para a maioria, a que chamam graffitis, que só tornam feias e vandalizam as cidades e espaços públicos.
Mas, no pós revolução do 25 de abril, o país com estes murais revolucionários, enche-se de cores vivas, um arco-íris contrastando com o cinzento a que, com razão ou se ela, cada vez mais se associa o antigo regime, que assim parece ficar mais distante. E é nomeadamente nas comemorações do 10 de junho de 1974, que quarenta e oito artistas plásticos das mais variadas tendências são convidados para pintar um extenso painel colectivo numa parede interior do Mercado do Povo, uma feira de artesanato que funcionava na zona ribeirinha de Belém, em Lisboa. No final do dia, já se podia apreciar um extenso painel de 24 metros de comprimento por 4,5 de altura, com os naturais desequilíbrios de um puzzle cujas peças têm todas origem diferente. O painel do Mercado do Povo em Belém, será também um estímulo à expressão da criatividade no espaço público através a pintura mural, que, como será inevitável pela intensidade da luta ideológica, aparecerá nas ruas muito mais carregada quanto às suas tonalidades políticas. Este painel que se encontrava na Galeria de Belém, foi destruído por um incêndio ocorrido em 20 de agosto de 1981.


Capitão Salgueiro Maia na praça do Comércio junto às tropas rendidas
no dia 25 de abril de 1974 (foto de Alfredo Cunha)
 
 
Cerco do Largo do Carmo no dia 25 de abril de 1974 (arq. Fundação Mário Soares)


Capitão Salgueiro Maia falando para os civis no Largo do Carmo
no dia 25 de abril de 1974 (arq. priv.)

 
Militares e civis e tanque no Largo do Carmo em 25 de abril de 1974 (arq. priv.)
 

Soldado retirando o retrato de Oliveira Salazar,
no dia 25 de abril ditando o fim do regime
(arq. priv.)


Mural revolucionário alusivo ao 25 de abril em Coruche (arq. priv.)


Publico apreciando o grande painel do Mercado do Povo em Belém em 10 de junho de 1974 (arq. priv.)


Pintores de murais revolucionário no pós 25 de abril de 1974 (arq., priv.)




As cidades e vilas tornam-se o espaço físico de eleição onde a contestação e reivindicação adquirem visualidade através de escritos, desenhos e pinturas públicas. Desde paredes, portas, muros, e mobiliário urbano diverso foram apropriados como plataforma do combate político, mas também como espaço onde a sociedade civil podia exprimir as suas exigências ou protestos, angústias e esperanças, foram o suporte para a visualidade do sonho e da crítica. Ninguém neste período ousa opor-se à pintura de uma parede exterior, que só por estar na via pública fornece automaticamente direito de utilização ao primeiro grupo de artistas políticos que dela se aproximar. A partir de abril de 1974, as reivindicações foram as mais variadas: o fim da guerra colonial, o regresso da tropa, a solidariedade com outros povos e nações, a nacionalização de empresas, o saneamento de administradores, a prisão de colaboracionistas, transformações sociais e políticas, a indignação com a interferência estrangeira, o aumento dos vencimentos, a semana de 40 horas, o 13º salário, o apelo à greve, e sobretudo, a convocação à participação em manifestações de índole diversa. Ao lado dos cravos, símbolo desta revolução de abril, surgem punhos fechados, pombas brancas, foices e martelos, bandeiras vermelhas, símbolos industriais, armas e claro os respectivos emblemas partidários. Pelo seu cariz de execução e carácter de apelo, as pinturas murais foram criadas, na sua maioria, por artistas plásticos, e obedeciam a formulações estéticas que se vinculavam a escolas de pensamento artístico e a matrizes iconográficas. Artistas e intelectuais envolvem-se na produção iconográfica mantendo o anonimato, o que diminui a exigência estética e aumenta a sua capacidade de trabalho. Das mais pequenas e improvisadas imagens, quase em esboço, com traços rápidos, imperfeitos e inacabados, outros naif como o estilo adoptado por exemplo, pela UDP e os "otelistas", até aos grandes murais de complexa execução, obras colectivas de estética planeada, reminiscentes dos murais neorrealistas mexicanos do princípio do século XX, ou o padrão heróico da Revolução Cultural chinesa dos anos 60, adoptado pelo MRPP, todos eles constituem um património urbano efémero pela distância que o tempo acaba por impor às emoções e aos sentimentos. Para além dos slogans e palavras de ordem, dos apelos ou denúncias, da assertividade e das metáforas e hiperbolizações, da ironia e do sarcasmo, as gramáticas pictóricas e as técnicas visuais – o cromatismo, a iconografia, o traço, a composição denunciavam filiações e correspondências estéticas e políticas. A eficácia de todo este esforço propagandista é duvidosa, pois não são os partidos que mais paredes pintam aqueles que obtêm os melhores resultados eleitorais.


Pintores de murais revolucionários do pós 25 de abril de 1974 (arq. priv.)


Mural revolucionário alusivo ao 25 de abril (arq. priv.)



Comemorações do 1 de maio de 1975 junto a mural revolucionário (arq. priv.)



Mural revolucionário do pós 25 de abril do PCP nos arredores de Lisboa (arq. priv.)


Mural revolucionário da  GDUP na rua Maria Pia em Lisboa
(arq. Centro de documentação 25 de abril)


Mural revolucionário naif do pós 25 de abril alusivo ao povo e aos militares em Portalegre
 (arq. Centro de documentação 25 de abril)


Mural revolucionário do pós 25 de abril alusivo aos trabalhadores
em prédio de bairro social nos Olivais, Lisboa (arq. priv.)


Mural revolucionário do pós 25 de abril alusivo à Reforma Agrária no Alentejo (arq. priv.)

Mural revolucionário do pós 25 de abril em Évora, foto Conceição Neuparth
(Centro de Documentação 25 abril)
 

Mural revolucionário do PS em Santo António dos Cavaleiros em 1978
(arq, Centro de documentação 25 de abril)



Murais revolucionários em Lisboa alusivos
a partidos políticos
do pós 25 de abril de 1974 (arq. priv.)




Foi no clima social e político pós-PREC que se criou o extenso mural de pintura de cariz revolucionário na parede sudeste do Instituto Superior Técnico de Lisboa (IST), na Av. Manuel da Maia. Não por acaso, o IST era palco recorrente de manifestações e plenários estudantis, onde pontificavam as forças políticas mais à esquerda. Assim se enquadrou a realização desta pintura mural figurativa de grandes dimensões, de autoria desconhecida, colectiva certamente, da responsabilidade do MRPP e inspirada na estética visual propagandista do maoísmo chinês da década de 1960. O painel pode ser dividido em três espaços, a que correspondem outras tantas acções e idealismos. Cada um destes sectores é ilustrado por uma mensagem, a qual equivale a uma posição política, exposta numa faixa empunhada pela multidão. A massa popular num aglomerado, não está passiva, reage e age sobre outras figuras. Este conjunto ganha então o seu sentido completo, estava-se no período de campanha eleitoral às eleições presidenciais de 1976. A 12 de junho iniciou-se a campanha com os candidatos militares Ramalho Eanes, Otelo Saraiva de Carvalho e Pinheiro de Azevedo, e o civil Octávio Pato do PCP. Quinze dias depois consumava-se a eleição de Ramalho Eanes à primeira volta, com cerca de 62% de votos, eleito como primeiro presidente da República em sufrágio livre e universal. Algumas dessas imagens e "palavras de ordem" de cariz politico perduram nos dias de hoje. Para sempre ficarão na memória slogans como: "25 de Abril sempre", "O povo unido jamais será vencido", "A terra a quem a trabalha" e o " O povo é quem mais ordena".


Mural revolucionário no Instituto Superior Técnico de Lisboa em 1976 (arq. AML)



Mural revolucionário do 25 de abril com frase célebre desta data (foto Henrique Matos)



Mural revolucionário do 25 de abril com frase celebre da Reforma Agrária
(arq. Centro de documentação 25 de abril)


Extracto de mural revolucionário com frase célebre alusivo ao 25 de abril de 1974
(arq. Centro de documentação 25 de abril)




E durante os anos que se seguiram era hábito verem-se, fazendo quase já parte da paisagem urbana quer nas cidades quer em vilas e aldeias, estes murais revolucionários por toda a parte, quase nos habituamos à sua presença por todo o lado. Mas o tempo passou, a política, as formas de propaganda e expressão também e com o tempo estes murais, marcos de um período e época da história recente de Portugal, desapareceram, uns naturalmente pela acção do tempo, outros foram apagados com novas pinturas e outros até pela demolição dos espaços onde estavam representados. Ficaram as memórias de quem se lembra e os registos fotográficos de alguns exemplos para a posteridade. Não se pode deixar de considerar que esta forma de expressão foi o antepassado dos actuais graffitis, ou arte urbana, que como já referi, não aprecio nem defendo, fora dos espaços adequados, daí não pretender com este artigo defender nem condenar, apenas contar o que foi um período da nossa história recente. Nas décadas que se seguiram era tradição, nas comemorações do 25 de abril, pintarem-se paredes e muros para relembrar este acontecimento, aproveitando por vezes esses novos murais a cada ano, para expressar desagrado pelas políticas em vigor, com o tempo essa tradição perdeu-se.
Em 2014, por ocasião das comemorações dos 40 anos do 25 de abril de 1974, vários artistas num trabalho conjunto, elaboraram um mural em Alcântara, alusivo a esta data e acontecimento. Numa iniciativa idealizada por António Alves, antigo muralista do MRPP. O trabalho que se estende por vários metros é marcado pela fusão de traços e técnicas tradicionais do muralismo revolucionário do pós 25 de abril e da street art. Pinturas típicas dos anos 70 coexistem com uma escultura em baixo relevo do artista urbano Vhils e com graffitis que mostram uma manifestação na Assembleia da República. Outro mural comemorativo de 2014, é o que se pode observar em Lisboa no exterior da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa. Um trabalho que expressasse a visão dos mais jovens acerca da Revolução de abril. Os artistas escolhidos para este trabalho foram Frederico Draw, Gonçalo Ribeiro, Diogo Machado e Miguel Januário, este mura evoca e homenageia a revolta militar de 25 de abril de 1974. A ideia surgiu a propósito do ciclo de conferências A Revolução de abril – Portugal 1974-1975, organizado pela Universidade Nova no Teatro D. Maria II, de 21 a 24 de abril. Do trabalho colectivo resultou um mural que retrata também um dos heróis da Revolução, o capitão do exército português Salgueiro Maia (1944 - 1992), rodeado de punhos erguidos pintados com as cores da bandeira portuguesa.
Mesmo já sem murais nem slogans, o que se pretende é que o espírito do 25 de abril de 1974 não se perca, nunca mais, principalmente no que respeita à verdadeira democracia, direitos de todos e liberdade de expressão, esta última sempre com moderação e respeito pelo semelhante.

 


Extracto de mural revolucionário do pós 25 de abril alusivo ao povo e às forças armadas
(arq. priv.)



Mural revolucionário do pós 25 de abril alusivo ao MFA (arq. priv.)


 

Mural comemorativo doa 40 anos do 25 de abril de 1974 em Alcântara, Lisboa em 2014
(arq. José Pacheco Pereira)



Fase de início do mural alusivo às comemorações dos 40 anos do 25 de abril na Av. de Berna
no exterior da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa (arq. priv.)
 


Mural alusivo às comemorações dos 40 anos do 25 de abril na Av. de Berna
no exterior da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa (arq. priv.)




Extracto de mural alusivo ao 25 de abril de 1974 de 2014 (arq. priv.)








Texto:
Paulo Nogueira

Fontes e bibliografia:
FERREIRA, José Medeiros, Portugal em Transe (1974-1985), in José Mattoso (dir.), História de Portugal, vol. 8., Estampa, Lisboa, 1994
VIEIRA, Joaquim, PORTUGAL SÉCULO XX, Crónica em Imagens 1970 - 1980, p. 124 a 126. p. 130 a 133. Círculo de Leitores, Lisboa, 2000
CEREZALES, Diogo Palacios, O poder caiu na rua. Crise de Estado e acções colectivas na Revolução Portuguesa (1974-1975), Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2003




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