Durante os séculos XVII, XVIII e XIX vão surgindo grandes quintas nos arredores da cidade de Lisboa que eram constituídas, na sua maioria, por uma propriedade com casa apalaçada de dois pisos, salvo algumas excepções, piso térreo e superior, área de lazer, jardins, capela e equipamentos de apoio às actividades agrícolas como estrebarias, currais, campos de rega e poços. Eram na sua maioria casas de campo da elite da capital Lisboa onde se juntava o lazer ao rendimento. A cidade de Lisboa devido ao seu clima, luz, situação geográfica e sendo a capital de um vasto império colonial durante séculos, resultaram numa grande quantidade de palácios e quintas mandados construir por famílias nobres ao longo dos tempos. É pois vasta a quantidade de quintas, palácios e palacetes na cidade de Lisboa e nos seus arredores, algumas destas propriedades já desaparecidas ou em vias de desaparecer, mas também alguns casos excelentes exemplos de restauro e reedificação. Umas sendo propriedades privadas ou do Estado, com mais ou menos importância que outras, mas todas elas integradas numa zona, num tempo e época com histórias para contar, influenciando de forma directa e indirecta a origem de certas localidades, assim como toponímias da capital. De todas essas propriedades, existentes, é aqui dado a conhecer alguns desses exemplos.
Palácio Condes de Anadia ou Casa de Anadia
Situa-se este edifício de certa imponência, na zona das Amoreiras, na actual Rua Silva Carvalho, na Freguesia de Campo de Ourique em Lisboa, numa zona urbana. O núcleo original do Palácio Anadia remonta ao século XVII, correspondendo ao solar da Quinta de Recreio de São João dos Bem-Casados. O nome desta quinta esteve na origem dos topónimos Rua de São João dos Bem-Casados (actual Rua Silva Carvalho) e Rua Direita de São João dos Bem-Casados (actual Rua Professor Sousa da Câmara) que contornava a fachada Noroeste do edifício e acompanhava um dos limites da quinta. Objecto de ampliações, demolições e remodelações ao longo dos tempos (desde finais do século XVII, séc. XIX e séc. XX), somente no 1º quartel do século XVIII, esta propriedade foi parar às mãos dos Senhores de Anadia, advindo daí o nome do palácio. Dada a sua localização, este edifício na época, dispunha de uma vista privilegiada sobre parte da cidade de Lisboa e do rio Tejo até à foz. Em vias de classificação, trata-se de um exemplar de arquitectura residencial barroca palaciana, de planta longitudinal, composto pela articulação de 3 corpos rectangulares, separados por pilastras de cantaria, demarcando-se o corpo central, mais estreito e destacado, no qual se rasga o portal nobre, de verga curva larga, com base de cantaria e guarda em ferro forjado, de finais de Setecentos. Este eixo central surge coroado por frontão triangular com pináculos nos acrotérios e a pedra de armas dos Sás-Anadias ao centro do tímpano. De salientar o pequeno relógio de Sol numa peanha, quase despercebido, na fachada principal do edifício, junto a uma das janelas do piso superior e que ainda se mantém. No interior merecem destaque: os silhares e painéis de azulejos em algumas divisões e vestíbulo principal, assim como pinturas murais do núcleo seiscentista; o programa decorativo novecentista de estuques polícromos da sala de bilhar e da galeria do 1º piso; e a actual capela, construída em 1884, que integra alguns elementos da anterior capela de São João dos Bem-Casados, demolida para corrigir o alinhamento da rua, nomeadamente a porta de acesso do exterior datada de 1689. Na capela destaque para o altar em talha e as guardas em madeira entalhada e polícroma, que protegem o coro e o altar, sendo já de finais do século XVIII o seu retábulo-mor.
Entre 1730 e 1732, residiu no palácio, o jovem infante D. Carlos de Bragança (1716-1736), filho do rei D. João V (1689-1750), procurando neste local melhoras dos seus problemas de saúde, pois o ar, o excelente convívio e ambiente tranquilo do campo da região à época traria benefícios. Habitaram igualmente este palácio os condes de Unhão, com a sua numerosa família, já em finais do século XVIII, entre outras personalidades. Pelo pormenor da pedra de armas dos Sá e Melo podemos confirmar que o desenho se refere sem qualquer dúvida ao Palácio da Quinta de São João dos Bem-Casados, tendo o desenho viajado para o Brasil nos bens do secretário de Estado João Rodrigues de Sá e Melo (1755-1808), 1º conde de Anadia. Contrastando com o estado actual do palácio que recebeu uma forte renovação após um incêndio em 1788, o antigo edifício patenteia uma forte organicidade rural, com dois corpos irregulares rematados pela ermida de São João dos Bem-Casados, que, por sua vez, será demolida para permitir a abertura da Rua Silva Carvalho. Este levantamento apresenta um aspecto particularmente interessante com o facto de nas plantas, dois pisos do palácio serem anotadas as designações de todos os compartimentos fornecendo assim uma rara nomenclatura dos interiores de uma casa do século XVIII. A demolição da antiga ermida da casa, com a invocação de São João dos Bem-Casados, a qual se encontrava desde o início do século XVIII integrada no palácio, mas avançada relativamente ao actual alinhamento. Este palácio funcionou como residência dos condes da Anadia do século XVIII ao XIX.
Com a crescente urbanização da cidade de Lisboa a partir do século XIX, esta propriedade, à semelhança de muitas outras, acabou integrada no novo urbanismo da cidade e fazendo parte de um dos bairros da capital. Em 1884 o palácio é alvo de uma grande campanha de obras responsável pela transformação e redecoração do interior. Destaque para os dois belos candeeiros instalados nesse período do século XIX, outrora funcionando a gás, que ladeiam a entrada principal do edifício. Estes dois dois candeeiros de braço e lanterna, de ferro forjado, com as armas dos Anadia no centro do braço e a lanterna coroada por um leão alabardeiro. O Palácio Anadia que desfrutou da uma grande quinta rústica, sucessivamente parcelada e alienada, nos séculos XVIII e XIX, e cujo jardim ou mata, já no século XX, sofreu alterações e corte com a construção da estação da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, e mais tarde o complexo de edifícios e Centro Comercial das Amoreiras. O antigo jardim e pequena mata existentes, hoje estão muito reduzidos, estando protegidos por um muro com janela gradeada. História politica não teve esta nobre casa, e a sua história reduziu-se a reuniões intimas de aristocratas e literatos do século XIX, mas sem ressonância que nobilite o palácio setecentista de São João dos Bem-Casados. Durante o século XX, com a sucessão de proprietários, também este imóvel foi sofrendo diversas obras de melhoramentos e adaptações. Em 1993, destaca-se a realização da adaptação de um portão para saída e entrada de viaturas na Rua Maria Ulrich. Até ao ano 2020 o esquema de pintura do edifício era em tom de amarelo ocre, tendo anos mais tarde sido pintado em rosa, muito provavelmente indo buscar as cores originais do palácio de outros tempos. O Palácio Anadia, é ainda, apesar das diversas remodelações que sofreu ao longo dos séculos, uma vistosa edificação de tipo solarengo, valorizado pelo seu alçado nobre e por alguns pormenores interiores. Na actualidade numa parte do palácio arrendada, funcionam serviços, como um ginásio, no entanto o imóvel esta recuperado e mantendo a sua imponência. Situado num local de passagem de muitos no seu dia a dia, não passa despercebido ao olhar dos mais atentos, pode considerar-se um dos poucos palácios de Lisboa na posse, ainda que de forma indirecta, da família dos primeiros reedificadores.
Texto:
Paulo Nogueira
Fontes e Bibliografia:
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LEÃO, Luís Ferros Ponce de, Portas e Brasões de Lisboa, Lisboa, s.d.
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CONSIGLIERI, Carlos, RIBEIRO, Filomena, VARGAS, José, ABEL, Marília, Pelas Freguesias de Lisboa. De Campo de Ourique à Avenida, Lisboa, 1995