Sua lenda e tradição...
De entre as várias lendas que se contam sobre a origem do folar da Páscoa, esta é a mais simples, tão simples como a alma do povo, pois do povo ela vem. É uma lenda tão antiga que se perde no tempo, desconhecendo-se a sua origem.
Reza esta lenda que, numa aldeia portuguesa, vivia uma jovem chamada Mariana que tinha como único desejo na vida o de casar cedo. Sendo devota de Santa Catarina, tanto rezou a esta Santa da sua devoção que a sua vontade se realizou e logo lhe surgiram dois pretendentes: um fidalgo rico e um lavrador pobre, de seu nome Amaro, ambos jovens e belos. A jovem voltou a pedir ajuda a Santa Catarina para fazer a escolha certa através desta oração:
Minha roquinha esfiada
Meu fusinho por encher,
Minha sogra enterrada,
Meu marido por nascer.
Minha Santa Catarina,
Com devoção e carinho
Tomai-vos minha madrinha,
Arranjai-me um maridinho.
Reza ainda a lenda que enquanto Mariana estava concentrada na sua oração, bateu à porta Amaro, o lavrador pobre, a pedir-lhe uma resposta e marcando-lhe como data limite, o Domingo de Ramos. Passado pouco tempo, naquele mesmo dia, apareceu o fidalgo a pedir-lhe também uma decisão. Perante este dilema Mariana não sabia o que fazer. Chegado o Domingo de Ramos, uma vizinha foi muito aflita avisar Mariana que o fidalgo e o lavrador se tinham encontrado a caminho da sua casa e que, naquele momento, travavam uma luta de morte. Mariana correu até ao lugar onde os dois se defrontavam e foi então que, depois de pedir ajuda a Santa Catarina, Mariana soltou o nome de Amaro, o lavrador pobre. Na véspera do Domingo de Páscoa, Mariana andava atormentada, porque lhe tinham dito que o fidalgo apareceria no dia do casamento para matar Amaro. Mariana rezou a Santa Catarina e a imagem da Santa, segundo reza a lenda, sorriu-lhe. No dia seguinte, Mariana foi pôr flores no altar da Santa e quando chegou a casa, verificou que, em cima da mesa, estava um grande bolo com ovos inteiros, rodeado de flores, as mesmas que Mariana tinha posto no altar. Correu para casa de Amaro, mas encontrou-o no caminho e este contou-lhe que também tinha recebido um bolo semelhante. Pensando ter sido ideia do fidalgo, dirigiram-se a sua casa para lhe agradecer, mas este também tinha recebido o mesmo tipo de bolo. Desta forma todos ficaram em paz e união. Mariana ficou convencida de que tudo tinha sido obra de Santa Catarina.
Imagem esculpida de Santa Catarina do séc. XIV
(col. Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa)
Os apaixonados in iluminura portuguesa do séc. XIV (col. priv.)
Folar rodeado de flores como na lenda de Mariana (arq. pess.)
Sendo a Páscoa a festa que comemora a Ressurreição de Jesus, está associada a práticas alimentares em que os ovos, as amêndoas, os cordeiros assim como os folares ocupam o primeiro lugar. Inicialmente chamado de folore, o bolo veio, com o tempo, a ficar conhecido como folar e tornou-se numa tradição que celebra a amizade e a reconciliação. Durante as festividades cristãs da Páscoa, os afilhados costumam levar, no Domingo de Ramos, um ramo de violetas à madrinha de baptismo e esta, no Domingo de Páscoa, oferece-lhe em retribuição um folar. Esta tradição de oferecer folares na Páscoa, estende-se também a familiares e a pessoas das quais se gosta. Por tradição, o folar é também servido aos convidados do chamado Compasso Pascal, tradição cristã portuguesa que consiste na vista casa a casa de um pequeno grupo de paroquianos, com ou sem o seu pároco, acompanhados de um crucifixo que representa a presença de Jesus vivo.
O bolo folar pode conter ovos, que é um dos símbolos associados à Páscoa, já que simbolizam a vida e a fertilidade, incluídos nesta época festiva. O folar tem particular relevância, havendo diferentes tipos, tão diferentes que o folar transmontano, por exemplo, só tem com o da Estremadura dois pontos em comum: o nome em si e a referência à Páscoa. O folar mais corrente em Portugal é um bolo de massa seca, doce e ligada. É feito com farinha de trigo, ovos, leite, azeite, banha ou pingue (gordura), açúcar, fermento, sendo condimentado com canela e erva-doce. Resultando uma espécie de bolo fogaça, encimado, conforme o seu tamanho, por um ou vários ovos cozidos inteiros com casca, havendo em certos locais a tradição de os tingir com cores (simbolizando a vida e nascimento), sendo estes incrustados e visíveis sob as tiras de massa que o recobrem. Por fim e antes de ir cozer ao forno, são pincelados com gema de ovo. Acrescente-se, contudo, que a tradição deste doce, o folar, qualquer que ele seja, assenta no ritual de dádiva, solidariedade e convívio, profundamente enraizados na sociedade portuguesa neste período do ano. A Páscoa...
Uma Santa e Feliz Páscoa!
A Ressurreição por Perugino 1499-1500 (col. priv.)
Fabrico e comercialização dos tradicionais folores na Idade Média (col. priv.)
Processos tradicionais de amassar e esticar a massa na confecção dos folares da Páscoa (arq. priv.)
Folares da Páscoa antes de ir ao forno (arq. priv.)
Aspectos do tradicional folar da Páscoa da região da Estremadura de Portugal (arq. priv.)
Símbolos tradicionais da Páscoa, como os coelhos de chocolate e o folar (arq. priv.)
Mesa com os tradicionais doces da Páscoa incluindo os folares (arq. priv.)
Folares da Páscoa a cozer no tradicional forno a lenha (arq. priv.)
Tradicionais folares da Páscoa já prontos no forno a lenha (arq. priv.)
Tradicional folar da Páscoa transmontano (arq. Tentações Sobre a Mesa)
Tradicional folar da Páscoa do Algarve (arq. priv.)
Apresentação em estilo sofisticado do tradicional folar da Páscoa (arq. priv.)
Símbolos tradicionais da Páscoa, como os coelhos de chocolate e o folar (arq. priv.)
Mesa com os tradicionais doces da Páscoa incluindo os folares (arq. priv.)
Texto:
Paulo Nogueira
Fontes e bibliografia:
MARQUES, Gentil, Lendas de Portugal, vol. IV, Circulo de Leitores, 1997, Lisboa
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