segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

LUIZA TODI

A diva do canto lírico português




Meio-soprano de voz rara e inconfundível, segundo registos documentais da época, é considerada a cantora lírica portuguesa mais célebre de todos os tempos. Foi a "prima-dona" da ópera que encantou os grandes palcos da Europa no último quarto do século XVIII. Nascida Luiza Rosa Almeida de Aguiar, a 9 de janeiro de 1753 (há 270 anos), na casa nº 49-51 da Rua de Coina (actual Rua da Brasileira), Bairro do Troino na freguesia de Nossa Senhora da Anunciada, concelho de Setúbal, era filha de um professor de música e instrumentista, que passou a viver em Lisboa a partir de 1765. Em criança, conta-se que se terá salvo do Grande Terramoto de 1755 por se ter escondido dentro de um forno de pão que lhe serviu de protecção. De relembrar que o Bairro do Troino onde Luiza e a família residiam, ficou praticamente arruinado, com derrocadas em praticamente todas as ruas, transformando-se numa cena "mortuária e ensanguentada", segundo registos da época. Entretanto,  Luiza Rosa como passou a ser chamada, começou a sua carreira pelo teatro musical, aos catorze anos, no Teatro do Conde de Soure, na peça "O Tartufo", de Molière. Com a sua irmã mais velha, Cecília Rosa de Aguiar (23 de agosto de 1746 - ?), cantou em óperas cómicas. Seria esta ligação à cultura por via do seu pai que a faria contactar, pela primeira vez, com os palcos, precisamente ao lado do seu pai e de três dos seus irmãos, no Theatro do Bairro Alto, situado no Palácio dos Condes de Soure na Rua da Rosa. Corria o ano de 1763 e tinha Luiza a idade de 10 anos. Inicialmente, no papel de actriz, encarnando personagens de "O Tartufo", a célebre peça do francês Molière (1622 - 1673), numa tradução portuguesa do Capitão Manuel de Sousa, encomendada pelo Conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e Melo (1699 - 1782). Nessa peça, a sua irmã Cecília Rosa desempenhou o papel de "Jacinta", mulher de "Ambrósio" e Luísa Rosa o de "Faustina", criada de "Lauriana". Viria a participar, entre outras, em peças com tendência à musicalidade e ao cómico, com uma grande propensão para as óperas. Com a vinda a Lisboa de uma companhia italiana de Ópera, Luíza conhece o compositor e primeiro-violinista napolitano da respectiva companhia e seu grande admirador, Francesco Saverio Todi (Nápoles, Santa Ana de Palácio, 1745 - Porto, Santo Ildefonso, 28 de abril de 1803), apaixonaram-se e aos 16 anos, em 1769, casaram. O casal instala-se em Lisboa numa casa na Travessa dos Fieis de Deus, actual freguesia da Misericórdia. Tomou assim Luíza o apelido de seu marido, Saverio Todi, que lhe deu o apelido e a fez aprender canto com o compositor David Perez (1711 - 1778), muito conceituado e mestre de capela da corte portuguesa, compositor italiano, que lhe daria aulas de canto. Aulas essas que poria em prática nesse Teatro do Bairro Alto, onde começou a demonstrar os seus dotes, cruzando os ensinamentos com os que recebia em casa, com o seu marido. Ao marido deveu o aperfeiçoamento e a dimensão internacional que a levariam a todas as cortes da Europa, como cantora lírica. Em 1770, já como Luiza Todi, inicia a sua actividade no canto lírico, ainda naquele teatro, na ópera "II Viaggiatore Ridicolo" de Giuseppe Scolari. Estreou-se em 1771 na corte portuguesa dos futuros D. Maria I (1734 - 1816), e D. Pedro III (1717 - 1786), e cantou no Porto entre 1772 e 1775. Durante esse período em que esteve na cidade do Porto, aí nasceu o seu primeiro filho João Todi em 1772, e, em 1773, a sua primeira filha Ana José Todi. Em 1774 Luiza Todi voltou a Lisboa para cantar no Teatro da Rua dos Condes, integrada numa Companhia de que faziam parte cantoras famosas, como Giovanna Sestini e Anna Zamperini. Luiza Todi partira então no anos seguintes para Guimarães, e em 13 de maio de 1775, na Quinta de Vila Verde, da Freguesia de São Sebastião daquela Cidade, nascia  a sua filha Maria Clara Todi, sendo mãe pela terceira vez, e em 1777, em Aranjuez, Espanha, o seu filho Francisco Xavier Todi. Em 1772, aos dezanove anos, passaria a viver no Porto, cidade onde esteve durante cinco anos e onde continuou a exprimir essa sua voz única. Em junho de 1772, os frequentadores do Teatro do Corpo da Guarda puderam assistir ao seu desempenho em "Demofonte", uma ópera do género sério a que melhor se ajustavam as suas características vocais e a expressão do seu canto. Para trabalhar e apurar os dotes canoros de Luiza terá contribuído o próprio marido e, acima de tudo, outro napolitano, o compositor David Perez, seu mestre dos tempos do Teatro do Bairro Alto e autor da partitura daquele "Demofonte" de 1772. No entanto, o futuro fá-la-ia sair do território português e viajar pela Europa. A última actuação de Luiza Todi em salas públicas do território português ocorreria na cidade do Porto, em 1775.  



Aspecto das muralhas de Setúbal, em mapa do século XVIII (arq. priv.)



Vila de Setúbal onde Luiza Rosa de Aguiar nasceu a 9 de janeiro de 1753, num extracto da panorâmica,
 registo da cidade anterior ao Terramoto de 1755, por Pier Maria Baldi (arq. priv.)


Casa onde terá nascido Luiza Rosa de Aguiar, no ano de 1753 
na Vila de Setúbal na Rua da Brasileira, Bairro do Troino. 
foto de 1953 por Américo Ribeiro (arq. priv.)


A ainda jovem Luiza Rosa de Aguiar numa pintura em miniatura 
de meados do séc. XVIII (col. José de Paiva Soares Deniz)


Um aspecto do maremoto e da destruição ocorrida na cidade de Lisboa 
durante Grande Terramoto de 1755 e atingiu fortemente Setúbal
 (col pess.)


A jovem Luiza Rosa de Aguiar nas aulas de canto no inicio de uma carreira já promissora
(arq. priv.)


Casa onde viveu Luiza e Saveria Todi após o casamento na Travessa dos Fieis de Deus em Lisboa (arq. priv.)


Assinatura de Luiza Rosa de Aguiar Todi a partir de 1769 
após casamento com Francesco Saverio Todi 
(arq. priv.)


Edifício onde funcionou o Theatro do Bairro Alto, situado no Palácio dos Condes de Soure 
 e onde Luiza Todi se estreou em 1763, foto do início do séc. XX (arq. AML)


Teatro da Rua dos Condes em Lisboa, onde Luiza Todi actuou em 1774 (arq. pess.)


Alegoria ao compositor napolitano David Perez 1711 - 1778 
(arq. pess.) 


Partitura de Demofonte, David Perez, peça interpretada por Luiza Todi em 1772 (arq. priv.)


Cena da peça Demofonte (arq. pess.)


Perspectiva do  edifício onde se supõe ter sido o Teatro do Corpo da Guarda na cidade do Porto 
onde Luiza Todi actuou em 1772, segundo desenho do Arq. Mário Bonito (arq. pess.)



A sua carreira internacional tem inicio em 1777 e parte para Inglaterra, primeiro ponto de passagem com notoriedade, onde teria uma prestação imaculada e descobridora de horizontes. A estreia de Luiza Todi em Londres ocorreu no King’s Theatre in the Hay-Market em 04 de novembro de 1777, com "Le Due Contesse", ópera com "music by signor Paisello and other Eminent Composers" e libreto de G. Petrosellini. Segundo registos dessa época, estas primeiras interpretações na capital inglesa não tiveram o sucesso esperado. No entanto, voltou a cantar "Le Due Contesse" em 11, 18 e 25 de novembro, 02 e 09 de dezembro e 13 de janeiro de 1778. Além desta ópera, cantou ainda as seguintes no decurso da temporada: Vittorina, de Piccianni; L’Amorre Artigiano, de Gassmann; Il Marchese Villano, La Buona Figliuola, de Picciani; e L’Amore Soldato. Já em França, na sua capital, em outubro de 1778 seria uma das protagonistas dos Concerts Spirituels, realizados no Château des Tuileries, uma série de concertos que a cidade recebia de forma a entreter os seus cidadãos, enquanto os restantes espectáculos estavam fechados. Aliás, seria em França que se fixaria durante algum tempo, continuando a embevecer quem a ouvia, que a considerava a melhor cantora estrangeira de Paris, em conjunto com a alemã Gertrud Elisabeth Mara, com quem também partilhou as honras no palco. Em 1778 está em Paris, onde a 22 de novembro nasceria a sua filha Adelaide Antónia Todi, em Versalhes. Os nomes de Mozart (1799, 80,82 e 83) e de Luíza Todi (Madame Todi, Hotel de Brétagne) surgem amiúde no calendário histórico dos teatros de Paris, sendo de presumir que aí tenham convivido em 1779. No cartaz do Concerts Spirituels desse ano, anuncia-se o programa de 2 de fevereiro, que fecha com uma ária italiana de Guglielmo interpretada por M.me Todi. Em 1780 é aclamada em Turim, no Teatro Régio, tendo assinado um contrato como prima-dona, seria então já considerada pela crítica como uma das melhores vozes de sempre. Nessa cidade veio a nascer o seu filho Leopoldo Rodrigo Ângelo Todi a 24 de novembro de 1782. Brilhou na Áustria, na Alemanha e na Rússia. Veio a Portugal em 1783 para cantar na corte portuguesa. Regressou a Paris, tendo ficado célebre o "duelo" com outra cantora famosa, Gertrud Elisabeth Mara, que dividiu a crítica e o público entre os "todistas" e "maratistas". Diz-se que o espectáculo de despedida de Paris foi um acontecimento nunca visto e não mais repetido. Houve uma loucura colectiva na aquisição dos ingressos, que atingiram preços astronómicos e no final da sua apresentação, com as flores e os presentes recebidos (entre os quais inúmeras jóias), Luiza Todi encheu completamente duas salas. Considerada a meio-soprano portuguesa mais célebre de todos os tempos, Luiza Todi é convidada juntamente com o marido e filhos para a corte de Catarina II da Rússia (1729 - 1796), em São Petersburgo, onde viveram de 1784 a 1788. A sua família (marido e filhos, seis ao todo) acompanhavam-na sempre para onde ela fosse e assim foi quando partiu para a Rússia, em 1784, com 31 anos de idade. Seriam acarinhados em São Petersburgo, cidade que os acolheu e que se deslumbrou com a sua interpretação de uma ópera do compositor Giuseppe Sarti. Aliás, a própria imperatriz Catarina, a Grande, ficaria, de tal modo, impressionada ao ponto de lhe ofertar duas pulseiras feitas com diamantes. Será presenteada com muitas jóias valiosas nas apresentações subsequentes. De referir que naquela época, as jóias eram um meio de pagamento melhor e mais seguro do que o dinheiro e foi nessas peças preciosas que se baseava a fortuna de Luiza Todi. A gratidão do casal seria materializada numa ópera que ambos compuseram e dedicaram à imperatriz, de título "Pollinia", que estrearia com Luiza Todi ao lado do cantor italiano Luigi Marchesi (1754 - 1829), com quem começou a desenvolver uma relação de tensão e até de inveja, da parte dele em relação a ela. Porém, a cantora havia caído nas boas graças da imperatriz, que a apontaria como professora de canto da corte russa e como uma artista merecedora de todo o seu carinho. Contudo ao fim de algum tempo as suas relações com a imperatriz azedaram, porque Luiza considerou que estaria a ser mal remunerada pelos seus serviços na corte e Catarina achava as suas exigências exorbitantes. Em 1787, Luiza Todi e a família deixaram a Rússia sem se despedirem da czarina, partindo para a Prússia, juntando-se desta vez à corte do rei Frederico Guilherme II (1770 - 1840). A cidade de Berlim aplaudiu-a quando ia a caminho da Rússia e, no regresso, Luiza Todi foi convidada por Frederico Guilherme II da Prússia, que lhe deu aposentos no palácio real, carruagem e os seus próprios cozinheiros, sem falar do principesco contrato, tendo ali permanecido de 1787 a 1789. Apesar de ganhar fortunas na Rússia, o marido de Luiza Todi perdia todo o dinheiro ao jogo e não restava outra solução, senão pedir cada vez mais e mais dinheiro à imperatriz Catarina II. Como é natural, Catarina II acabou por pôr termo à situação e Luiza Todi e o seu marido partem rumo à Alemanha e a França. Foi uma fugaz passagem, que a viu regressar a Paris logo no ano seguinte, onde continuou onde havia parado nos Concerts Spirituels, não deixando de cativar quem a assistia. Foi deambulando entre a França e o território alemão, chegando a cantar, na cidade de Bona, para o consagrado compositor Ludwig van Beethoven (1770 - 1827), recebendo convites para saraus privados como convidada de honra.  Regressaria a Itália, em 1790, onde actuaria em Veneza, no seu Teatro San Samuele, ornamentada com acessórios que lhe tinham sido dados pela imperatriz Catarina II. No Verão de 1790, Luiza Todi canta em Veneza Didone Abbandonata, a multidão, que extravasava a sala, não deixou fechar as portas do edifício ficando a ouvi-la, deslumbrada, na rua. A cidade recebê-la-ia durante o período de um ano, que tanto a mimou, mesmo num período em que a cantora sentia problemas de visão e que a colocaram de parte dos palcos durante alguns meses. Foi um ano que, apesar do revés, foi sensacional no assinalar do seu prestígio numa cidade tão relevante no panorama cultural.


A jovem Luiza Todi no início da sua carreira internacional (arq. priv.)


King’s Theatre in the Hay-Market em Londres onde ocorreu a estreia internacional de Luiza Todi 
em  04 de novembro de 1777 (arq. priv.)


Interior do King’s Theatre in the Hay-Market em Londres nos finais do séc. XVIII (arq. pess.)


Château des Tuileries, local onde se realizavam os Concerts Spirituels
em que Luiza Todi participou em 1778 (arq. priv.)


Cartaz alusivo aos Concerts Spirituels de 2 de fevereiro de 1779
 com o nome de Luiza Todi (arq. priv.)



Teatro Régio de Turim onde Luiza Todi em 1780 é aclamada e tendo assinado um contrato
 como prima-dona (col. pess.)


Palco do Teatro Régio de Turim em meados do séc. XVIII 
onde Luiza Todi foi aclamada em 1780 (col. priv.)



Gertrud Elisabeth Mara, com quem Luiza Todi  também partilhou 
as honras no palco em Paris (col. pess.)

A já então consagrada a meio-soprano portuguesa mais célebre de todos os tempos 
diva do canto lírico Luiza Todi (col. pess.)


Catarina II da Rússia 1729 - 1796 por Fedor Rokotov (col.Tretyakov gallery)


Cidade de São Petersburgo que acolheu Luiza Todi e a família de 1784 a 1788 (arq. pess.)


Palácio de Catarina em Tsarskoye Selô em meados do séc. XVIII onde Luiza Todi e a família 
viriam a residir a convite da monarca  (col. Metropolitan Museum of Art)


Frederico Guilherme II da Prússia 1770 - 1840 (arq. pess.)


Representação de sarau musical na corte de Frederico Guilherme II da Prússia
(col. Berlin's Alte Nationalgalerie)


Retrato de Luíza Todi (1789) por Élisabeth Louise Vigée Le Brun 
(col. Museu da Música, Lisboa)


A consagração de Luiza Todi em Viena no ano de 1791 (arq. priv.)


Saraus musicais que contavam com a presença de Luiza Todi como figura principal (col. priv.)


Aspecto da cidade de Veneza em meados do séc. XVIII, por Canaletto (col. priv.)

Palco do Teatro de San Samuele em Veneza em meados do séc. XVIII 
onde Luiza Todi cantou e encantou com a sua presença
(col. priv.)


Diversas cidades alemãs a aplaudiram como Mogúncia, Hanôver e Bona, cantou ainda em Veneza, na República de Veneza, Génova, na República de Génova, Pádua, Bérgamo, no Ducado de Milão, e Turim, no Reino da Sardenha. A voz e presença de Luiza Todi encanta e deslumbra todos que a vão ver e ouvir nos grandes salões e teatros da Europa. Dos grandes países do continente europeu, só faltava deslumbrar em Espanha e foi isso que fez durante quatro anos, entre 1792 e 96, na cidade de Madrid, no seu Teatro de los Caños del Peral. De 1792 a 1796 encantou os madrilenos novamente e será nesse período, em 1793, que vem novamente cantar à corte de Lisboa por ocasião do baptizado de mais uma filha do herdeiro do trono, o futuro D. João VI (1767 - 1826). Cantou na Real Casa Pia, a 14 de maio de 1793, num espectáculo integrado nas festas pelo nascimento da infanta D. Maria Teresa de Bragança (1793 - 1874), para tal a cantora precisou de uma autorização especial para cantar em público, o que era então proibido às mulheres nessa época no reino de Portugal. Participou, ainda em maio desse mesmo ano, num sarau no palácio de Anselmo José da Cruz Sobral. Já no final do século XVIII, em 1799 Luiza Todi terminou a sua carreira internacional em Itália, no Reino de Nápoles, cantando no Teatro di San Carlo. Luiza Todi, que tinha a capacidade invulgar de cantar com a maior perfeição e expressão em francês, inglês, italiano e alemão, é considerada a meio-soprano portuguesa mais célebre de todos os tempos, era uma cantora com um perfil vocal que corresponde ao que hoje chamaríamos um soprano dramático de coloratura. Segundo estudos feitos a partir dos registos das descrições, a sua voz tinha um âmbito muito grande, possuía grande agilidade e os sons graves e médios deviam ter um certo dramatismo. Actualmente esse tipo de voz é rara. No seu Tratado da Melodia, Anton Reicha, considera Luiza Todi como "a cantora de todas as centúrias", por outras palavras considerada "uma cantora para a eternidade". No regresso definitivo a Portugal volta para o Porto e é em 1801, na sua morada na Rua Nova de Almada em Santo Ildefonso que fica viúva.  A 28 de abril de 1803, altura em que se aposenta de vez, tendo usado roupa de luto até ao fim dos seus dias. É também na cidade do Porto que Luiza Todi canta em público pela última vez no então Real Theatro de São João. Viveu naquela cidade, onde viria a perder a sua fortuna, as famosas jóias, no trágico acidente da Ponte das Barcas em 29 de março de 1809, por ocasião da fuga das invasões francesas de Portugal pelos exércitos de Napoleão. Segundo registos, nesse dia, Luiza Todi com as suas duas filhas e uma criada durante a fuga da cidade do Porto para Vila Nova de Gaia, não estavam a conseguir escapar pela Ponte das Barcas, dado o grande número de gente e a confusão instalada, para isso terá alugado uma pequena barca para a fuga, levando com ela alguns dos seus pertences, poucos, nomeadamente uma caixa com toda a sua maior fortuna, as suas preciosas jóias, entre elas as oferecidas pela imperatriz da Rússia anos antes. Durante os tumultos e ataque à Ponte das Barcas, que provocaram a tragédia, a ondulação causada pelos náufragos que se tentavam salvar e todo o caos, fez com que a pequena barca tombasse e todos caíram ao rio já perto da margem, tendo sido salvos a tempo e é a criada que lhe consegue salvar a vida, no entanto a caixa com as suas preciosas jóias desapareceu para sempre no fundo do rio Douro. Segundo registos, a sua criada no momento do acidente estende-lhe um remo do barco, Luiza salva-se. Restam-lhe algumas jóias que ficaram em poder duma filha, entretanto ferida a tiro pelos soldados invasores. Este ferimento não permitiu que continuassem a fuga e assim Luiza, as filhas e a criada resolvem entregar-se aos franceses. Uma vez mais na vida a morte passou-lhe ao lado neste acidente. A família de Luiza Todi foi no entanto presa, mas com a ajuda do General Nicolas Jean de Dieu Soult (1769 - 1851), que a reconheceu como "a cantora da nação", obtiveram protecção. 


A voz e presença de Luiza Todi encanta e deslumbra todos que a vão ver e ouvir 
nos grandes salões e teatros da Europa (arq. priv.)


Teatro de los Caños del Peral em Madrid onde Luiza Todi teve 
uma vez mais grande sucesso de 1792 a 96 (arq. priv.)


Folheto de opera com a interpretação de Luiza Todi 
aquando da sua estadia Madrid entre 1792 e 96 
(arq. priv.)


Folha volante distribuída em Madrid com um soneto dedicado 
a Luiza Todi em 1793
(arq. Biblioteca Municipal de Madrid, colecção Carderera)


Lisboa de finais do séc. XVIII para onde Luiza Todi regressa em 1793 (arq. pess.)


O então infante, futuro rei D.João VI 1767 - 1826 
(col. Museu da Inconfidência)


Alegoria ao nascimento da infanta D. Maria Teresa de Bragança em 14 de maio de 1793 (arq. pess.)



O futuro rei D. João VI assistindo a uma actuação interpretada por Luiza Todi a 14 de maio de 1793, 
num espectáculo das festas do nascimento da infanta Maria Teresa de Bragança 
(arq. priv.)


Ambiente de uma opera como onde Luiza Todi se apresentou a suas majestades 
aquando da vinda a Portugal em 1793 (col. priv.)


Teatro de San Carlo onde Luiza Todi actuou e termina a sua carreira internacional em Itália, 
no Reino de Nápoles no ano de 1799 (arq. priv.)


Palco do Teatro de San Carlo onde Luiza Todi actuou e termina a sua carreira internacional em Itália, 
no ano de 1799 (arq. priv.)

Traje de personagem de ópera muito idêntico aos usados
 por Luiza Todi em algumas das suas actuações 
(arq. pess.)



Vista da cidade do Porto em finais do séc. XVIII onde Luiza Todi regressa, 
gravura de Teodoro Maldonaldo (arq. pess.)



Real Theatro de São João onde Luiza Todi canta em público pela última vez no início do séc. XIX (arq. pess.)

Sala do antigo Real Theatro de São João no Porto, onde Luiza Todi actuou em público
 pela última vez no início do séc. XIX (arq. priv.)



Tragédia da Ponte de Barcas na cidade do Porto ocorrida em 29 de março de 1809 
e onde Luiza Todi e família estavam presentes no momento (col pess.)


Tragédia da Ponte das Barcas em 29 de março de 1809 onde Luiza Todi se viu envolvida 
 uma vez mais na vida a morte passou-lhe ao lado neste acidente (arq. pess.)


General Nicolas Jean de Dieu Soult 1769 - 1851, que a reconheceu Luiza Todi 
como a cantora da nação, obtiveram protecção (arq. pess.)


Após toda esta situação Luiza Todi, com 58 anos, regressa a Lisboa onde de 1811 até ao final da sua vida, consta que, terá vivido com muitas dificuldades económicas e, a partir de 1823 fica completamente cega devido a um problema de saúde que já afectava desde muito nova. As poucas jóias e bens pessoais que lhe sobraram dão-lhe para se instalar numa casa modesta no Bairro Alto e para poder comer. Vem para a capital e dos seus seis filhos alguns morreram, uma das filhas acabou enclausurada no Recolhimento de Rilhafoles destinado a doenças mentais, tais circunstâncias abalaram profundamente a saúde da cantora. Aos 60 anos perde a visão de um dos olhos e, 9 anos depois, ficará totalmente cega. Esquecida pelo público português, tem de vez em quando visitas dos seus amigos estrangeiros, que gostam de a rever. A pouco e pouco, também esses irão desaparecer, vai ficando sozinha, doente com muitas dificuldades, longe do sucesso, dos palcos, dos grandes teatros, salões europeus e da vida faustosa de outros tempos. Como tristemente tem sucedido com grandes nomes da cultura portuguesa, também ela acaba na miséria, desamparada e esquecida. Luiza Todi salvou-se dos perigos que a assolaram em criança e já adulta, no entanto a doença venceu-a por fim, vem a falecer em Lisboa, no 2º andar do nº 2 da Travessa da Estrela (Rua Luísa Todi, desde 1917), onde residia, na freguesia da Encarnação, aos 80 anos de idade, em 1 de outubro de 1833, após ter sido vítima do que hoje se sabe ter sido um acidente vascular cerebral, tendo sido sepultada no cemitério paroquial da Igreja da Encarnação, perto do Chiado. A área do cemitério junto à igreja, ficou anos mais tarde, por baixo das fundações do edifício construído por trás da Igreja, debaixo do número 78 da Rua do Alecrim. Apesar de vários pedidos de entusiastas e descendentes, uma das maiores cantoras líricas portuguesas de todos os tempos jaz,  ao que se consta, sob o pavimento de uma cave obscura (conforme testemunho citado por Mário Moreau do proprietário da chapelaria que aí existiu). Terá declarado o proprietário desse estabelecimento, ter visto, durante umas obras de levantamento do soalho da loja, a pedra tumular de Luiza Todi. A inscrição estava um pouco sumida, mas não tanto que não permitisse ver nitidamente o nome da cantora. Foi ainda o referido comerciante quem conseguiu evitar que um dos operários destruísse a pedra com uma picareta. Na época ainda se esboçou a ideia de recuperar a pedra tumular e de dar à grande artista uma sepultura condigna. Mas, como já seria de esperar, nada se fez nesse sentido. A  vida de Luiza Todi foi cheia de grandes glórias numa época complexa para o sucesso de uma mulher, mas  com o seu encanto e voz conseguiu alcança-lo, tendo sido a primeira e única diva do canto lírico português. Baseados nesses documentos da época, séculos XVIII e XIX, especialistas afirmam que ela revolucionou aquele género de espectáculo dando-lhe a dimensão interpretativa e cénica que, a partir de então, se lhe conhece. Segundo o estudo feito por Mário de Sampayo Ribeiro sobre Luiza Todi, o temperamento artístico da cantora é sublinhado, associando o prodígio do seu canto à capacidade de representar, de tal forma que o cantar da Todi criava um ambiente de êxtase e de encanto tais que o auditório como se não lembrava de aplaudi-la. Só depois de desvanecida essa como que embriaguez, as palmas irrompiam e então, a partir desse momento, a multidão electrizada devinha como possessa e aclamava com delírio a artista privilegiada. Embora não existissem registos de audio na época, ficaram os registos escritos e os relatos documentais, havendo quem considere Luiza Todi a maior cantora de ópera do mundo. Luiza Rosa de Aguiar Todi foi uma setubalense que fez da sua vida uma referência a nível nacional e internacional. A sua cidade natal, Setúbal, nunca a esqueceu, deu o seu nome a uma das principais artérias da cidade, a Avenida Luísa Todi. O nome de Luiza Todi foi atribuído a um teatro na sua terra natal em 1915, teatro este reconstruído e inaugurado o moderno edifício em 1960, mais tarde melhorado e convertido a cine-teatro, denominado actualmente de Forum Luísa Todi. Um monumento, Glorieta a Luísa Todi foi inaugurada por ocasião do centenário da morte da cantora lírica setubalense, a 1 de outubro de 1933, no antigo Parque das Escolas, que posteriormente recebeu o nome da homenageada, tendo sido desenhada pelo arquitecto Abel Pascoal e construída por Abílio Salreu. Integra um busto da autoria do escultor Leopoldo de Almeida. Em 1938, o monumento foi transferido para a actual localização, na Avenida Luísa Todi. Igualmente um grupo coral recebeu o seu nome e até a um estabelecimento hospitalar, entre outros ligados à cultura e ensino. Na casa onde se consta ter nascido Luiza Todi foi mandada colocar uma lápide no ano de 1953, pela Câmara Municipal de Setúbal alusiva ao seu nascimento, o imóvel está classificada de Interesse Municipal desde 2009. Futuramente será a Casa Museu Luísa Todi, Cantora Lírica, com a finalidade de nele instalar um museu, um núcleo documental e um auditório. O  mais importante prémio de canto clássico em Portugal tem o seu nome. É o Concurso Nacional de Canto Luísa Todi. Em 2008, a RTP transmitiu um filme sobre a sua vida na série Figuras Relevantes da Cultura Portuguesa. Desde o início deste século, um grupo de lisboetas pede para que a sua sepultura de Luiza Todi seja transferida para um túmulo no Panteão Nacional, onde os mais importantes portugueses que se destacaram. No entanto, este é um ponto sensível para o município de Setúbal, que acredita que a sepultura não deve ser deslocada e que Luiza Todi pode ser homenageada com eles através de um cenotáfio (mausoléu vazio) no cemitério de Nossa Senhora da Piedade. As devidas homenagens a esta grande cantora lírica portuguesa, não se ficaram só por ruas, avenidas e instituições, também na filatelia em selos dos CTT, na área da numismático foram editadas medalhas e a companhia aérea portuguesa TAP atribui em sua homenagem o seu nome a um avião o Airbus A320-214 CS-TMW  "Luísa Todi".


Luiza Todi  já com 58 anos regressa a Lisboa 
e passa a ter uma vida modesta (arq. pess.)


Travessa da Estrela actual Rua Luiza Todi no Bairro Alto em Lisboa, 
onde a cantora residiu ate à sua morte em 1833 
(arq. AML)


 Igreja de Nossa Senhora da Encarnação no Largo do Chiado, 
onde Luiza Todi foi sepultada em 1833,
 desenho da autoria de R. Christino, 
gravador Oliveira (arq. pess.)


Luiza Rosa Almeida de Aguiar Todi, uma setubalense que fez da sua vida uma referência
 quer a nível nacional e internacional (arq. pess.)


Aspecto geral da Avenida Luisa Todi em Setúbal, em meado dos anos 30 do séc. XX (arq. priv.)


Teatro Luíza Todi na cidade de Setúbal em 1945 (col.  Américo Ribeiro)


Cine-teatro Luisa Todi em 1960 actual Forum Luísa Todi em Setúbal (arq. priv.)


Monumento erigido a Luiza Todi, no centro da cidade de Setúbal 
em homenagens a esta grande cantora lírica portuguesa
(arq. priv.)



Casa onde terá nascido em 1753 Luiza Todi, na actualidade, 
futura Casa Museu Luísa Todi, Cantora Lírica (arq. priv.)


Lápide alusiva ao nascimento de Luiza Todi naquele local, 
colocada em 1953 pela Câmara Municipal de Setúbal 
(arq. priv.)


Selo dos CTT da série Músicos Portugueses 
em homenagem a Luiza Todi (col. pess.)




Medalha em bronze em homenagem a Luiza Todi, frente e verso
(col. pess.)



Alusão da companhia aérea portuguesa TAP atribui em sua homenagem o seu nome a um avião 
o Airbus A320-214 CS-TMW  Luísa Todi (arq. da Companhia aérea)


Avião da TAP, o Airbus A320-214 CS-TMW  "Luísa Todi" (arq. da companhia)





Texto: 

Paulo Nogueira



Fontes e bibliografia:

BASTOS, António de Sousa, Diccionario do Theatro Portuguez, Impr. Libanio da Silva, Lisboa, 1908

GONÇALVES, Joaquim Freitas, Luísa Todi Artista E "Santa" (1753-1833) - Notas E Conferências Sôbre Música E Músicos, Edição/Editor: 1ª/ Lopes da Silva, Porto, 1943

RIBEIRO, Mário de Sampayo, Luísa de Aguiar Todi : estudos diversos, Edição da revista Ocidente, Lisboa,1943

MOREAU, Mário, Cantores de Ópera Portugueses, vol. I, Livraria Bertrand, Lisboa, 1981

ELEUTÉRIO, Victor Luís, Luiza Todi, 1753-1833: A voz que vem de longe, Lisboa: Montepio Geral, Lisboa, 2003


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