terça-feira, 8 de abril de 2025

QUINTAS E PALÁCIOS EM LISBOA E NOS SEUS ARREDORES

Durante os séculos XVII, XVIII  e XIX vão surgindo grandes quintas nos arredores da cidade de Lisboa que eram constituídas, na sua maioria, por  uma propriedade com casa apalaçada de  dois pisos, salvo algumas excepções, piso térreo e superior, área de lazer, jardins, capela e equipamentos de apoio às actividades agrícolas como estrebarias, currais, campos de rega e poços. Eram na sua maioria casas de campo da elite da capital Lisboa onde se juntava o lazer ao rendimento. A cidade de Lisboa devido ao seu clima, luz, situação geográfica e sendo a capital de um vasto império colonial durante séculos, resultaram numa grande quantidade de palácios e quintas mandados construir por famílias nobres ao longo dos tempos.  É pois vasta a quantidade de quintas, palácios e palacetes na cidade de Lisboa e nos seus arredores, algumas destas propriedades já desaparecidas ou em vias de desaparecer, mas também alguns casos excelentes exemplos de restauro e reedificação. Umas sendo propriedades privadas ou do Estado, com mais ou menos importância que outras, mas todas elas integradas numa zona, num tempo e época com histórias para contar, influenciando de forma directa e indirecta a origem de certas localidades, assim como toponímias da capital. De todas essas propriedades, existentes, é aqui dado a conhecer alguns desses exemplos.


Palácio Condes de Anadia ou Casa de Anadia

Situa-se este edifício de certa imponência, na zona das Amoreiras, na actual Rua Silva Carvalho, na Freguesia de Campo de Ourique em Lisboa, numa zona urbana. O núcleo original do Palácio Anadia remonta ao século XVII, correspondendo ao solar da Quinta de Recreio de São João dos Bem-Casados. O nome desta quinta esteve na origem dos topónimos Rua de São João dos Bem-Casados (actual Rua Silva Carvalho) e Rua Direita de São João dos Bem-Casados (actual Rua Professor Sousa da Câmara) que contornava a fachada Noroeste do edifício e acompanhava um dos limites da quinta. Objecto de ampliações, demolições e remodelações ao longo dos tempos (desde finais do século XVII, séc. XIX e séc. XX), somente no 1º quartel do século XVIII, esta propriedade foi parar às mãos dos Senhores de Anadia, advindo daí o nome do palácio. Dada a sua localização, este edifício na época, dispunha de uma vista privilegiada sobre parte da cidade de Lisboa e do rio Tejo até à foz. Em vias de classificação, trata-se de um exemplar de arquitectura residencial barroca palaciana, de planta longitudinal, composto pela articulação de 3 corpos rectangulares, separados por pilastras de cantaria, demarcando-se o corpo central, mais estreito e destacado, no qual se rasga o portal nobre, de verga curva larga, com base de cantaria e guarda em ferro forjado, de finais de Setecentos. Este eixo central surge coroado por frontão triangular com pináculos nos acrotérios e a pedra de armas dos Sás-Anadias ao centro do tímpano. De salientar o pequeno relógio de Sol numa peanha, quase despercebido, na fachada principal do edifício, junto a uma das janelas do piso superior e que ainda se mantém. No interior merecem destaque: os silhares e painéis de azulejos em algumas divisões e vestíbulo principal, assim como pinturas murais do núcleo seiscentista; o programa decorativo novecentista de estuques polícromos da sala de bilhar e da galeria do 1º piso; e a actual capela, construída em 1884, que integra alguns elementos da anterior capela de São João dos Bem-Casados, demolida para corrigir o alinhamento da rua, nomeadamente a porta de acesso do exterior datada de 1689. Na capela destaque para o altar em talha e as guardas em madeira entalhada e polícroma, que protegem o coro e o altar, sendo já de finais do século XVIII o seu retábulo-mor.


Fachada do Palácio Anadia da lado da Rua Silva Carvalho e Rua das Amoreiras na actualidade 
(foto Paulo Nogueira)


Desenho do frontão principal original com a pedra de armas dos Sás-Anadias ao centro do tímpano 
(arq. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro)


Frontão com a pedra de armas na fachada
 do Palácio Anadia na actualidade
(foto Paulo Nogueira)

Relógio de Sol em peanha situado 
na fachada principal do edifício
(foto Paulo Nogueira)


Silhares de azulejos setecentistas num vestíbulo do Palácio Anadia, 
foto João Miguel dos Santos Simões (arq. BFCG)

               
Silhar e azulejos setecentistas existentes em algumas das divisões 
do Palácio Anadia, foto João Miguel dos Santos Simões
(arq. BFCG)
  


      Painel de azulejos setecentistas existentes numa das divisões do Palácio Anadia, 
foto João Miguel dos Santos Simões (arq. BFCG)


Pormenor do desenho da capela de São João dos Bem-Casados, 
demolida para corrigir o alinhamento da rua
 (arq. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro)


Desenho de retábulo-mor de finais do séc. XVIII idêntico 
ao da capela de S. João dos Bem-Casados 
(arq. pess.)



Entre 1730 e 1732, residiu no palácio, o jovem infante D. Carlos de Bragança (1716-1736), filho do rei D. João V (1689-1750), procurando neste local melhoras dos seus problemas de saúde, pois o ar, o excelente convívio e ambiente tranquilo do campo da região à época traria benefícios. Habitaram igualmente este palácio os condes de Unhão, com a sua numerosa família, já em finais do século XVIII, entre outras personalidades. Pelo pormenor da pedra de armas dos Sá e Melo podemos confirmar que o desenho se refere sem qualquer dúvida ao Palácio da Quinta de São João dos Bem-Casados, tendo o desenho viajado para o Brasil nos bens do secretário de Estado João Rodrigues de Sá e Melo (1755-1808), 1º conde de Anadia. Contrastando com o estado actual do palácio que recebeu uma forte renovação após um incêndio em 1788, o antigo edifício patenteia uma forte organicidade rural, com dois corpos irregulares rematados pela ermida de São João dos Bem-Casados, que, por sua vez, será demolida para permitir a abertura da Rua Silva Carvalho. Este levantamento apresenta um aspecto particularmente interessante com o facto de nas plantas, dois pisos do palácio serem anotadas as designações de todos os compartimentos fornecendo assim uma rara nomenclatura dos interiores de uma casa do século XVIII. A demolição da antiga ermida da casa, com a invocação de São João dos Bem-Casados, a qual se encontrava desde o início do século XVIII integrada no palácio, mas avançada relativamente ao actual alinhamento. Este palácio funcionou como residência dos condes da Anadia do século XVIII ao XIX.  



Alusão ao jovem infante D. Carlos de Bragança em convívio usufruindo 
dos ares saudáveis do campo (col. priv.)


Planta do palácio da Quinta de São João dos Bem Casados dos Condes de Anadia nas Amoreiras 
(arq. Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro)


João Rodrigues de Sá e Melo, 1.º conde de Anadia 1755-1808 (col.priv.)


Fachada do Palácio Anadia, visto do lado da Rua Silva Carvalho, 
no início do séc. XX, foto Horácio Novais (arq. AML)

Palácio Anadia ao fundo no alinhamento da actual Rua Silva Carvalho
 antiga São João dos Bem-Casados em 1908 (arq. AML)


Com a crescente urbanização da cidade de Lisboa a partir do século XIX, esta propriedade, à semelhança de muitas outras, acabou integrada no novo urbanismo da cidade e fazendo parte de um dos bairros da capital. Em 1884 o palácio é alvo de uma grande campanha de obras responsável pela transformação e redecoração do interior. Destaque para os dois belos candeeiros instalados nesse período do século XIX, outrora funcionando a gás, que ladeiam a entrada principal do edifício. Estes dois dois candeeiros de braço e lanterna, de ferro forjado, com as armas dos Anadia no centro do braço e a lanterna coroada por um leão alabardeiro. O Palácio Anadia que desfrutou da uma grande quinta rústica, sucessivamente parcelada e alienada, nos séculos XVIII e XIX, e cujo jardim ou mata, já no século XX, sofreu alterações e corte com a construção da estação da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, e mais tarde o complexo de edifícios e Centro Comercial das Amoreiras. O antigo jardim e pequena mata existentes, hoje estão muito reduzidos, estando protegidos por um muro com janela gradeada. História politica não teve esta nobre casa, e a sua história reduziu-se a reuniões intimas de aristocratas e literatos do século XIX, mas sem ressonância que nobilite o palácio setecentista de São João dos Bem-Casados. Durante o século XX, com a sucessão de proprietários, também este imóvel foi sofrendo diversas obras de melhoramentos e adaptações. Em 1993, destaca-se a realização da adaptação de um portão para saída e entrada de viaturas na Rua Maria Ulrich.  Até ao ano 2020 o esquema de pintura do edifício era em tom de amarelo ocre, tendo anos mais tarde sido pintado em rosa, muito provavelmente indo buscar as cores originais do palácio de outros tempos. O Palácio Anadia, é ainda, apesar das diversas remodelações que sofreu ao longo dos séculos, uma vistosa edificação de tipo solarengo, valorizado pelo seu alçado nobre e por alguns pormenores interiores. Na actualidade numa parte do palácio arrendada, funcionam serviços, como um ginásio, no entanto o imóvel esta recuperado e mantendo a sua imponência. Situado num local de passagem de muitos no seu dia a dia, não passa despercebido ao olhar dos mais atentos, pode considerar-se um dos poucos palácios de Lisboa na posse, ainda que de forma indirecta, da família dos primeiros reedificadores.


Frontão da fachada do Palácio Anadia em 1967, foto Augusto Fernandes (arq. AML)


Desenho de umas das lanternas dos candeeiros de braços exteriores a gás 
do palácio com as armas dos Anadia (arq. pess.)


Candeeiros de braços exteriores na fachada
 do palácio com as armas dos Anadia
 na actualidade
(foto Paulo Nogueira)


Parte do jardim do Palácio Anadia em meados dos anos 50, foto Horácio Novais (arq. AML)


Rua das Amoreiras, vendo-se os muros da mata do jardim do Palácio Anadia em 1932 (arq. AML)


Inicio da Rua das Amoreiras, vendo-se os muros da mata do jardim do Palácio Anadia 
na actualidade (foto Paulo Nogueira)


Esquina do Palácio Anadia na Rua das Amoreiras em 1944, foto Eduardo Portugal (arq. AML)

Vista lateral da fachada do Palácio Anadia do lado da Rua Silva Carvalho 
em 2020 na cor amarelo ocre (arq. priv.)

Vista lateral da fachada do Palácio Anadia da lado da Rua Silva Carvalho 
na actualidade em cor rosa (foto Paulo Nogueira)


Fachada do Palácio Anadia, visto do lado da Rua Silva Carvalho, no início do séc. XX (arq. AML)

Fachada do Palácio Anadia visto do lado da Rua Silva Carvalho na actualidade (foto Paulo Nogueira)



Fachada do Palácio Anadia do lado da Rua das Amoreiras em meados dos anos 50, 
foto Horácio Novais (arq. AML)


Fachada do Palácio Anadia da lado da Rua das Amoreiras na actualidade 
(foto Paulo Nogueira)


Complexo que engloba o Palácio Anadia na actualidade visto pelo Googlemaps




Texto: 

Paulo Nogueira



Fontes e Bibliografia:

PROENÇA, Raul, (dir. de), Guia de Portugal, Vol. I, Lisboa, 1924 

 LEÃO, Luís Ferros Ponce de, Portas e Brasões de Lisboa, Lisboa, s.d. 

ARAÚJO, Norberto de, Inventário de Lisboa, Fasc. VII, Lisboa, 1950 

SEQUEIRA, Gustavo de Matos, Depois do Terramoto. Subsídios para a História dos Bairros Ocidentais de Lisboa, Vol. IV, Lisboa, 1967 

ATAÍDE, M. Maia, (dir. de), Monumentos e Edifícios Notáveis do Distrito de Lisboa, Vol. V, Tomo III, Lisboa, 1988 

CONSIGLIERI, Carlos, RIBEIRO, Filomena, VARGAS, José, ABEL, Marília, Pelas Freguesias de Lisboa. De Campo de Ourique à Avenida, Lisboa, 1995




sábado, 4 de janeiro de 2025

QUINTAS E PALÁCIOS EM LISBOA E NOS SEUS ARREDORES

Durante os séculos XVII, XVIII e XIX vão surgindo grandes quintas nos arredores da cidade de Lisboa que eram constituídas, na sua maioria, por uma propriedade com casa apalaçada de dois pisos, salvo algumas excepções, piso térreo e superior, área de lazer, jardins, capela e equipamentos de apoio às actividades agrícolas como estrebarias, currais, campos de rega e poços. Eram na sua maioria casas de campo da elite da capital Lisboa onde se juntava o lazer ao rendimento. A cidade de Lisboa devido ao seu clima, luz, situação geográfica e sendo a capital de um vasto império colonial durante séculos, resultaram numa grande quantidade de palácios e quintas mandados construir por famílias nobres ao longo dos tempos. É pois vasta a quantidade de quintas, palácios e palacetes na cidade de Lisboa e nos seus arredores, algumas destas propriedades já desaparecidas ou em vias de desaparecer, mas também alguns casos excelentes exemplos de restauro e reedificação. Umas sendo propriedades privadas ou do Estado, com mais ou menos importância que outras, mas todas elas integradas numa zona, num tempo e época com histórias para contar, influenciando de forma directa e indirecta a origem de certas localidades, assim como toponímias da capital. De todas essas propriedades, existentes, é aqui dado a conhecer alguns desses exemplos.


Quinta do Outeiro ou Quinta de Nossa Senhora dos Prazeres

Situa-se esta propriedade na actual Rua Luís de Camões, antigo caminho do Outeiro, na freguesia das Águas Livres do Concelho da Amadora, território alterado de forma negativa pela urbanização intensiva e pela abertura de vias rápidas, sendo o impacto da IC 19 bastante notório por se situar imediatamente a sul dos edifícios classificados. Desconhece-se ao certo a data da construção primitiva da Quinta do Outeiro (Oiteiro)  de Baixo, antigo nome do local onde esta propriedade se situa. Segundo nos informa o Padre Álvaro Proença (1912 - 1983), em 1703 a Quinta era designada como Quinta do Marquês ou do Coculim, podendo assim estar associada às propriedades do Marquês da Fronteira. A disposição dos imóveis forma um conjunto de planimetria irregular, destacando-se a casa principal senhorial, uni-familiar, com pórtico, um pátio interior  e uma capela datada de 1720, como se pode comprovar na data que encima a porta do respectivo local de culto. É plausível que o palacete da Quinta tenha sido objecto de várias transformações, conforme atesta a inscrição colocada no portal de entrada: "Q.D.N.S. DOS PRAZERES 1731". Segundo Anne Stoop na sua obra Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa (1986): " (...) a parte mais antiga foi alargada no rés-do-chão mediante um pórtico incorporado no edifício e uma galeria que o prolonga. Esta é simultaneamente sobrelevada por um andar ao qual se pode aceder através de uma escada surpreendentemente rústica para uma casa deste tipo. O pórtico, incorporado, permite integrar habilmente na mesma fachada a capela e parte da habitação".


Aspecto do palacete e portão principal da Quinta do Outeiro na actualidade 
(foto Paulo Nogueira)



Aspecto exterior do palacete da Quinta do Outeiro, com a capela e o pátio interior 
em meados dos anos 80 aquando obras de restauro (arq. priv.)


Porta da capela do palacete da Quinta do Outeiro 
encimado com o ano de 1720 (arq. priv.)


Aspecto do altar da capela do palacete da Quinta do Outeiro 
em meados dos anos 80 do séc. XX (arq. priv.)


Portão principal da Quinta do Outeiro na actualidade 
(foto Paulo Nogueira)


Florão que encima o portão da Quinta do Outeiro com nome e ano de 1731, 
ano de reedificação da propriedade (foto Paulo Nogueira)



Terá este imóvel sido amplamente beneficiada em 1720 por António Manescal, conhecido impressor e livreiro lisboeta, que, para além de impressor do Santo Ofício, foi livreiro da Casa do Infantado (1695) e da Casa Real (1711), para além de Familiar do Santo Ofício (1699), teve a mercê de Cavaleiro Fidalgo (1713). A maior ampliação foi construção de uma nova ala, a nascente, que integrava a actual frontaria, de composição sóbria e rectilínea. Foi também criado um espaço coberto de acesso à capela e esta passou a dispor de um coro alto. No interior, a pequena capela combina lambris de azulejo azul e branco com vasos floridos, do primeiro quartel do século XVIII, com  talha dourada no altar, sob um tecto de estuque trabalhado. Nesta entrada têm-se acesso também à zona residencial dos proprietários, situada no primeiro piso, e ainda a uma extensa galeria, ao nível do rés-do chão, que não tem mais nenhuma comunicação com as restantes áreas do edifício. De acordo com os registos da Câmara Eclesiástica de Lisboa, António Manescal obteve licença para edificar e posteriormente se dizer missa (de 7 de Agosto) na ermida que mandara edificar na sua Quinta do Outeiro de Baixo, na freguesia de Benfica. Inicialmente a ermida que era então dedicada ao Seraphico São Francisco, invocação com que aparece referida em 1763 na obra do "Mappa de Portugal Antigo e Moderno" do Padre João Baptista de Castro. Relativamente à capela do edifício mais antigo, situada na extremidade do corpo principal, é de destacar uma fachada com duas pilastras de canto com cornija realçada e um frontão contracurvado que, ao centro, apresenta um medalhão onde se inserem as iniciais da "Virgem Maria". A fachada é ainda rematada no topo por uma cruz em ferro ostentando, também, uma janela alta que se integra, de forma harmoniosa, no nível de janelas com o mesmo desenho do piso superior do edifício residencial. Ao lado da capela existiu um conjunto de sinos, já desaparecidos. O vestíbulo comum da casa e da capela, está ainda decorado com um silhar de azulejo recortado, representando cenas da vida de santos, com molduras rococó, policromas. Terá sido ainda durante o século XVIII, provavelmente por volta de 1720, que por motivo de partilhas a propriedade terá sido dividida, dando origem a outra propriedade, a Quinta de Santa Tereza, ficando esta paralela à propriedade original. Sobre esta outra propriedade pouca informação existe, sabe-se que foi habitada pelos descendentes de um dos seus últimos proprietários até finais dos anos 90 do século XX e depois vendida para outro tipo de construções ali serem implantadas. Desta propriedade pouco de origem ficou, restou o edifício da Quinta, muito adaptado e transformado, tendo recebido obras de melhoramento e uma "cosmética" exterior para parecer um edifício de época. No seu interior mantiveram-se alguns traços originais, que os actuais proprietários tentam manter e preservar para que não se percam, em especial alguns painéis de azulejos de finais do século XVIII. 


Detalhe da frontaria, de composição sóbria e rectilínea 
do palacete da Quinta do Outeiro
 (foto Paulo Nogueira)


Galeria da ala interior do rés do-chão forrada com azulejo com alegorias 
às Quatro Estações e aos Cinco Sentidos (arq. priv.)


Aspecto do coro alto da capela do palacete da Quinta do Outeiro 
em meado dos anos 80 do séc. XX (arq. priv.)


Fachada da capela do palacete da Quinta do Outeiro apresenta um medalhão
 com as iniciais da "Virgem Maria" e torre sineira (arq. priv.)

Detalhe do frontão contracurvado da capela do edifício com um medalhão 
onde se inserem as iniciais da Virgem Maria (arq. priv.)


Painel de azulejos do séc. XVIII no vestíbulo da capela alusivos à vida dos santos 
e pilastras de canto com cornijas (arq. priv.)


Painel de azulejos do séc. XVIII na entrada de capela alusivos à vida dos santos 
no palacete da Quinta do Outeiro (arq. priv.)


Portões principais das Quintas do Outeiro ou de Nossa Senhora dos Prazeres e de Santa Tereza 
na actualidade (foto Paulo Nogueira)



Segundo o "Rol de Confessados" de Benfica de 1764 (livro ou registo elaborado por cada igreja paroquial, com o objectivo de registar quem se confessava durante a quaresma de cada ano e continha os fogos existentes em todas as ruas da povoação, cada um com um número, dando conta de quem lá morava, incluindo criados e crianças), esta propriedade, por esta época, era também conhecida como a Quinta do Capitão do Outeiro, por ali viver o Capitão Gregório José de Mello que, de acordo com um requerimento enviado então à Câmara Eclesiástica, afirma que comprara a propriedade a uma José Victório da Rocha e a reformara com a capela, que havia ficado arruinada no Grande Terramoto de 1755, passando esta a ser dedicada a Nossa Senhora dos Prazeres. O altar da capela foi benzido em 25 de Julho de 1764, pelo cura de Benfica, Padre João da Mata. Este edifício, ainda segundo registos, seria originalmente de um só piso, durante o Grande Terramoto de 1755, sofreu alguns danos e após este trágico acontecimento foi alvo de restauro e obras de ampliação, passando a dispor de um primeiro piso. De referir que esta zona dos arredores da cidade de Lisboa foi pouco afectada pelo trágico Terramoto de 1755. Este primeiro piso do edifício é construído recorrendo à nova técnica pombalina da gaiola anti sísmica, pode ver-se esse detalhe nas paredes de algumas dependências, pelos danos causados recentemente por actos de vandalismo no imóvel. O interior do edifício de habitação é decorado com azulejos pombalinos datados de 1760-1770, num programa composto por sumptuosos motivos em trompe l'oeil (técnica artística que, com truques de perspectiva, que cria uma ilusão óptica que faz com que formas de duas dimensões aparentem possuir três dimensões), de gosto neoclássico com composições historiadas em telas nas paredes no salão nobre e alegorias sobre as "Quatro Estações" e os "Cinco Sentidos" na galeria do rés-do-chão. A galeria do rés-do-chão está forrada, até meia altura, com azulejo recortado de moldura policroma, típica do terceiro quartel do século XVIII, e tem conversadeira nos vãos das janelas. Na parede poente são ainda visíveis as janelas da primitiva edificação. Dispõe de uma ampla cozinha de onde se destaca a grande chaminé. Em 1764, ainda segundo os registos do referido padre, a propriedade é designada como Quinta do Capitão do Outeiro. Neste ano, terá ali vivido o padre Manuel de Carvalho, capelão da Ermida de Nossa Senhora dos Prazeres desta mesma quinta. Ainda segundo os mesmos registos, há ainda referencia à existência de um caseiro, um carreiro, um escravo, um mulato e uma quantidade de criados completavam o pessoal da casa que incluía um mestre de meninos. Ao longo de toda a centúria de Setecentos a propriedade foi sendo sucessivamente habitada e gerida pelos caseiros e capelães responsáveis pelo oratório privado, donde se depreende que os donos apenas se deslocavam à Quinta em alguns períodos do ano.  A par com a área agrícola, bastante vasta e murada, dispondo de janelas com "bancos dos namorados" nos muros protegidas por gradeamentos que funcionavam como mirantes, hoje em grande parte expropriada. Existia um sistema de rega com água fornecida por um poço com nora e sendo atravessada, no terreno actualmente expropriado, a parte inicial original da Ribeira de Algés. De referir que a nascente original desta ribeira se situava onde hoje está o complexo do Estado Maior da Força Aérea Portuguesa. Junto ao conjunto habitacional da Quinta do Outeira, dispunha esta casa ainda de um jardim em socalco com tanques, poço com nora, dois relógios de sol instalados em alguns pontos da área ajardinada e algum arvoredo diversificado. Para além dos armazéns anexos existia ainda um lagar para a produção de azeite e outro para a produção vitivinícola. A capela da casa, que terá sido profundamente reformulada na segunda metade do século XVIII, alberga um altar de talha dourada de gosto barroco, apresentando ainda, no tecto estucado, uma representação da Assunção da Virgem. Em 1765, o capelão da ermida é o Padre Manuel Fernandes Trigo que por sua vez também administrava a casa e os criados. Há registos de que cerca de 1769, o caseiro é um italiano, de seu nome Hierónimo André. 


Ex-voto da segunda metade do século XVIII alusivo ao Terramoto de 1755, pintura a óleo 
(col. Museu da Cidade de Lisboa)

Imagem de Nossa Senhora dos Prazeres
 à qual passa a ser dedicada a ermida 
da Quinta do Outeiro 
(col. priv.)

Detalhe do altar da capela do palacete da Quinta do Outeiro 
na actualidade recentemente vandalizado (arq. priv.)


Uma das dependências no primeiro piso do palacete da Quinta do Outeiro na actualidade 
com sinais de vandalismo (arq. priv.)

Primeiro piso do palacete da Quinta do Outeiro com sistema gaiola anti sísmica 
visível na parede degradada na actualidade (arq. priv.)


Painéis de azulejos do séc. XVIII com alegorias às Quatro Estações e os Cinco Sentidos 
no piso térreo do palacete da Quinta do Outeiro (arq. priv.)


Aspecto do que restou da cozinha do palacete da Quinta do Outeiro (arq. priv.)



Aspecto do pátio interior do palacete da Quinta do Outeiro na actualidade (arq. priv.)


Aspecto do que restou do jardim em socalco e tanque da Quinta do Outeiro, na actualidade (arq. priv.)


Detalhe de um dos tanques do jardim da Quinta do Outeiro na actualidade (arq. priv.)



Até finais do século XIX a devoção a Nossa Senhora dos Prazeres era festejada em romaria na zona, todas as segundas feiras de Páscoa. Eram esses festejos realizados anualmente na segunda feira depois do domingo de Páscoela, havia grandes festejos com missa cantada e sermão. Armava-se junto a esta propriedade um grande arraial frequentado por gentes das redondezas que ali acorriam. Também alguns ex-votos que existiram na capela, demonstram o reconhecimento da população relativamente aos poderes curativos de um pequeno poço protegido por uma abóbada em tijolo, que ainda existente integrado num ambiente urbano, e se situa junto da Quinta. Num registo notarial de Abril de 1769, é relatado um episódio curioso que parece confirmar que esta era bastante frequentada pelo povo da redondeza, naquele registo, o Capitão Gregório José de Mello e seu irmão Manuel Caetano de Mello declaram perdoar as pessoas que se acharem culpadas na arruada (ou assuada) e distúrbio que houve no pátio da quinta deles durante os festejos, o que sucedera a 2 daquele mês perto da meia noite. Nos anos seguintes, são os capelães que administram a casa, depreendendo-se que os donos só iriam à Quinta em temporadas de verão, como era tradição do século XIX. Já no século XIX, em 1811, a Quinta pertencia a Francisco José Maria de Brito. Em 7 de Abril de 1849 era descrita como: "Quinta do Outeiro, junto ao logar da Buraca, em Bemfica; consta de casa nobre, casa de caseiro, e todas as necessárias officinas; tem excellente agoa nativa, com sua nora, e compõe-se de um pomar de laranja, horta, e vinha". 


Aspecto do pequeno poço protegido por uma abóbada em tijolo, junta da Quinta do Outeiro
 em finais dos anos 80 do séc. XX (arq. priv.)


Festa com arruadas semelhante à das comemorações de Nª Senhora dos Prazeres 
na Quinta do Outeiro, finais do sec. XVIII (arq. pess.)



Em registos já do início do século XX, consta que a Quinta do Outeiro ou de Nossa Senhora dos Prazeres, pertenceu a António de Mesquita até 1905. Anos mais tarde, é adquirida por um antepassado da família Canas da Silva, da qual os actuais donos descendem. A casa da propriedade será, ainda durante meados do século XX, adaptada a fábrica de curtumes. Posteriormente, em 1957, foram feitas obras de beneficiação no edifício devido aos estragos provocados por este tipo de actividade industrial ali instalado. Neste espaço do casario das propriedades, Quinta do Outeiro ou de Nossa Senhora dos Prazeres e Quinta de Santa Tereza, formou-se um pequeno conjunto habitacional, constituído por alguns empregados da propriedade e seus descendentes, que as habitaram até finais da década de 90 do século XX.  Nos finais dos anos 70 do século XX, a casa da propriedade, é alugada e habitada por uma família, não pertencente aos proprietários, que terá alterado e danificado algumas partes do interior do edifício com o objectivo de adaptar o espaço a residência. Devido à construção da Radial da Buraca, do conjunto original que a compunha, resta apenas a casa solarenga, a capela e alguns edifícios anexos. É propriedade particular e encontra-se classificada como Imóvel de Interesse Municipal, no entanto o conjunto habitacional esta a degradar-se e as entidades que deveriam zelar pela preservação nada fazem a avaliar pelo estado em que se encontra o que resta do imóvel. Há registos de graves actos de vandalismo e roubos que danificaram o interior de algumas partes e até dependências do edifício principal da Quinta do Outeiro. De referir que esta propriedade chegou a estar em venda mas sem sucesso de encontrar comprador, continua sendo propriedade privada.


Edifício e portão  principal da Quinta do Outeiro no início do séc. XX (arq. pess.)


Zona da entrada principal da Quinta do Outeiro e casas dos empregados na actualidade 
(foto Paulo Nogueira)


Perspectiva em vista aérea da Quinta do Outeiro na actualidade, Google Maps



Aspecto de um dos cómodos do 1º piso do palacete da Quinta do Outeiro 
vandalizado na actualidade (arq. priv.)





Texto: 

Paulo Nogueira


Fontes e Bibliografia:

CASTRO, Padre João Baptista de, Mappa de Portugal Antigo e Moderno, tomo III, parte V, Lisboa, 1763

PROENÇA, Padre Álvaro, Benfica através dos tempos, Lisboa, edição Ulmeiro, 1954

STOOP, Anne de, Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa, Lisboa, Civilização, 1986

CALDAS, João Vieira, A Casa Rural nos Arredores de Lisboa no Século XVIII, Lisboa, 1987