Há que saber interpretar e distinguir lendas de realidade, assim como o porquê da existência dessas mesmas lendas na cultura de cada povo e região. Portugal é um país extremamente rico em histórias, mitos e antigas lendas, que inspiram costumes e superstições. São às centenas as lendas portuguesas, contos, ditos e crenças populares que fazem da nossa cultura tão rica e interessante. Contadas aos serões nos frios invernos pelos nossos ancestrais, de lobisomens a fadas, bruxas a sereias, fantasmas e almas-penadas a milagres de santos, não há criatura que o nosso folclore não inclua, à excepção, talvez, de vampiros, pois não é tema que faça parte do nosso imaginário lendário. Mas nem todas as lendas portuguesas de terror se tratam. Muitas delas revelam terras e gentes de coragem, histórias de vingança, justiça, amores impossíveis e amores perfeitos, outras dizem respeito a acontecimentos verídicos mas com toques de imaginação, provavelmente para aumentar a carga dramática ou heróica do que realmente sucedeu. Lendas contadas de forma um pouco diferente, consoante a região e quem as conta, mas com a mesma essência. São muitas essas lendas e diversificadas, relembre-mos pois, sem superstições, algumas dessas 13 lendas portuguesas. Como advertência, nem todas as ilustrações apresentadas no artigo se referem às lendas em questão, são muitas delas adaptações do autor.
Lenda da Moura da Ponte de Chaves
Reza a lenda de Chaves que no século XII, uma jovem de origem moura ficara noiva do primo, Abed, filho de um guerreiro mouro que tinha sido feito alcaide depois da retoma das terras Flavienses pelos mouros. A jovem, apesar de ter aceitado o noivado, não amava o futuro marido. Anos mais tarde, os cristãos voltaram para reconquistar Chaves, e a jovem moura foi feita refém por um guerreiro cristão. A moura e o cristão apaixonaram-se vivendo felizes, enquanto o seu prometido e o seu tio fugiram de Chaves. Os cristãos ganharam a guerra restabelecendo-se a paz. Abed, que sabia do caso, nunca perdoou, e voltou à cidade vestido de mendigo, para se vingar. Um dia esperou-a na ponte romana de Trajano, quando a viu aproximar-se, pediu-lhe esmola. A moura, que lhe estendeu a mão, cruzou olhares com ele e o mouro rejeitado rogou-lhe a praga dizendo: "Para sempre ficarás encantada sob o terceiro arco desta ponte. Só o amor de um cavaleiro cristão, não aquele que te levou, poderá salvar-te." Ouviu-se um grito de mulher. A jovem tinha reconhecido Abed. Diz-se que a moura desapareceu como por magia, só umas poucas damas cristãs foram testemunhas. Desesperado, o guerreiro cristão que com ela vivia de tudo fez para a encontrar. Procurou incessantemente na ponte e até pagou para que lhe trouxessem Abed vivo para quebrar o encanto. O amado procurou a sua moura por toda a parte mas nunca a encontrou, acabando por morrer de tristeza e saudade, ao fim de alguns anos. A moura encantada da ponte nunca mais foi vista. Anos mais tarde, diz o povo que, numa noite de S. João, passava um cavaleiro cristão pela ponte quando ouviu murmúrios e pedidos de socorro. Então, uma voz de mulher pediu-lhe para descer ao terceiro arco da ponte e dar-lhe um beijo. Mas o cavaleiro hesitou. Tocou no crucifixo que trazia ao peito, recordando-se dos contos que a mãe lhe costumava contar sobre as desgraças de cavaleiros entregues aos feitiços de mouras encantadas. Perante estes pensamentos, olhou para o cavalo, montou-o e partiu, jurando nunca mais ali passar à meia-noite. Assim, ficou a moura da ponte de Chaves encantada para sempre sob o terceiro arco. Diz a lenda que agora, nas noites de São João, é possível ouvir os lamentos da moura encantada, que está eternamente castigada por se ter apaixonado um dia.
Após a reconquista de Chaves pelos cristãos,
a jovem moura foi feita refém
por um guerreiro cristão
(arq. priv.)
A lenda reza que o jovem guerreiro cristão e a jovem moura
se apaixonaram (arq. pess.)
Abed vestido de mendigo esperou a jovem moura pedindo-lhe esmola
cruzaram olhares e ele rejeitado rogou-lhe uma praga
(arq. pess.)
Ponte Romana de Chaves, também referida como ponte de Trajano, localiza-se sobre o rio Tâmega
onde reza a lenda que ficou a moura encantada sobre o terceiro arco para sempre (arq. priv.)
A Lenda da Senhora que Passou
Em Vila Verde, Braga, também uma freguesia chamada Paçô ficou marcada por um amor impossível. A lenda de Paçô conta que, certo dia, pai e filha caminhavam pela estrada quando resolveram parar para descansar. A filha, Joana, desceu a um riacho para beber água e se refrescar. De súbito o espanto da jovem veio quando o riacho lhe falou, com voz de homem! Ela, assustada, ouviu, como o riacho lhe dizia que pelo amor que lhe tinha, se transformaria em rio para a seguir. O riacho com voz de homem pediu à jovem Joana que lhe beijasse as águas e dissesse baixinho "Amor", para selar a promessa. A jovem assim fez, mas de seguida correu para o pai que a chamava. À noite, enquanto o pai dormia, Joana esgueirou-se para ver se o riacho a seguira. Desceu deparando-se com um rio! A moça pediu ao rio que se mostrasse na forma de homem, pedido ao que o rio acedeu. No momento em que o rio se fazia homem, o pai de Joana apareceu, vendo a filha com um rapaz, ficou fora de si e levou-a para longe. O rio feito homem só pôde ver a sua amada a desaparecer. No dia seguinte, conta o povo, ouviam-se lamentos com voz de homem vindos dos lados do rio. "A senhora passou por aqui? Passou? Passou?", perguntava a voz. Diz a lenda que de tanto repetir estas palavras, o lugar ficou conhecido por Passô, e o rio chamou-se Rio Homem. Da jovem Joana, nunca mais se soube, mas a sua memória continua viva em Vila Verde.
Reza a lenda que o riacho com voz de homem pediu à jovem Joana
que lhe beijasse as águas e dissesse baixinho "Amor"
para selar a promessa (arq. pess.)
Diz a lenda que a moça pediu ao rio que se mostrasse na forma de homem,
pedido ao que o rio acedeu (arq. priv.)
Devido a esta lenda o lugar ficou conhecido por Passô, e o rio chamou-se Rio Homem (arq. priv.)
Lenda dos Estremoços ou Estremoz
Conta-se que há muitos séculos um homem, uma mulher e uma criança viajavam numa carruagem pela planície do Alentejo. Ódios políticos e falsos delitos tinham atirado esta família para a estrada sem fim, procuravam por isso um novo lar numa terra bem longínqua. Depois de tão longa viagem, o calor apertava e a sede torturava-os. O pó punha-lhes a boca gretada e a língua áspera. Precisavam de descansar, fugir ao sol dessa planície imensa que ficava para além do rio Tejo. De súbito apareceu ao longe uma sombra larga, acolhedora, como um oásis no deserto, um tremoceiro, o único abrigo que encontraram no caminho. A família armou uma tenda e ali passou a noite. Na manhã seguinte, foram acordados pelo dono daquelas terras com os seus homens que reclamava da presença da família na sua propriedade sem a sua autorização. Ao ouvir que a família era perseguida, embora injustamente, por delitos que não tinham cometido, o velho proprietário mandou-os sair imediatamente. Sentindo-se insultados, mas de consciência tranquila, os forasteiros recusaram-se a abandonar o abrigo do tremoceiro. Passado algum tempo, pai e mãe deram por falta da filha. Esta tinha ido encontrar-se com o velho proprietário. Disse-lhe que os seus pais eram gente nobre e honesta com capacidade para fazer daquele local uma linda povoação. Convencido pela inteligência, simplicidade e coragem da menina, o velho proprietário foi ter com os pais e aceitou a sua presença nas suas terras e ajuda. Anos mais tarde, a povoação de tão próspera, recebeu o foral do rei D. Afonso III. Foram tantas as sugestões de nomes para a terra, que o velho proprietário resolveu deixar à criança a escolha. Em homenagem à árvore, deu-lhe o nome de Estremoços (nome dado aos tremoços naquela época). Hoje é conhecida por cidade de Estremoz e o tremoceiro esta representado no brasão da cidade.
Há muitos séculos um homem, uma mulher e uma criança
viajavam numa carruagem pela planície do Alentejo
(arq. priv.)
Sombra larga e acolhedora, como um oásis no deserto, um tremoceiro em pleno Alentejo (arq. priv.)
Convencido pela inteligência e coragem da menina, o velho proprietário
foi ter com os pais e aceitou a sua presença e ajuda.
Anos mais tarde, a povoação recebeu o foral do rei D. Afonso III
(col. priv.)
O brasão de Estremoz com o tremoceiro da lenda presente
(arq. priv.)
Vista da cidade de Estremoz e o seu castelo na actualidade (arq. priv.)
Lenda da Dama do Pé de Cabra
Desta lenda existem algumas versões, são as seguintes narradas as mais conhecidas. Conta-se que na actual região da Beira Alta, mais concretamente na aldeia histórica de Marialva vivia há muitos séculos atrás uma donzela muito formosa. Um certo dia um nobre encantado com a sua beleza e querendo desposá-la encomendou os serviços de um sapateiro pedindo-lhe que fizesse uns sapatos para a donzela em questão. Como se tratava de uma surpresa o sapateiro teria de arranjar uma maneira de conseguir fazer um molde dos pés da donzela para acertar no tamanho do pé, certo dia e sem que esta desse por isso espalhou farinha aos pés da cama da donzela para que quando esta se levantasse, deixasse a marca na farinha espalhada no chão e assim aconteceu. O sapateiro percebeu pela forma deixada no chão que a donzela tinha "pés de cabra", mas mesmo assim fez uns sapatos adequados. Quando o nobre entrega o presente à donzela, esta com o desgosto de saber que já todos sabiam do seu defeito, atira-se da torre do castelo. A donzela chamava-se Maria Alva, ainda hoje mesmo em ruínas, podemos ver a torre do castelo. Diz a lenda nas crenças populares, que se pode ver a Dama Pé de Cabra vagar na torre de menagem do castelo que se encontra em ruínas. Já numa outra versão, talvez a mais famosa, conta-se que D. Diogo Lopes, nobre senhor da Biscaia, caçava nos seus domínios, quando esperava um porco montês, foi surpreendido ao longe por um lindo cantar de uma linda mulher. De tão encantado ofereceu-lhe o seu coração, as suas terras e os seus vassalos se com ele se casasse. A dama impôs-lhe como única condição a de ele nunca mais se benzer. Só tempos mais tarde, já no seu castelo, D. Diogo se apercebeu que a dama tinha um pé forcado, como o de uma cabra. Não obstante, viveram muitos anos felizes e desta união tiveram dois filhos: Inigo Guerra e Dona Sol. Um dia, depois de uma boa caçada, D. Diogo premiou o seu grande alão com um osso, mas a podenga preta de sua mulher matou o cão para se apoderar do pedaço de javali. Surpreendido com tal violência, D. Diogo benzeu-se. A Dama de Pé de Cabra deu um grito e começou a elevar-se no ar, com a sua filha Dona Sol, saindo ambas por uma janela sob um céu de breu estrelado para nunca mais serem vistas. Com o desgosto, D. Diogo decidiu ir guerrear contra os mouros durante anos, acabando por ficar cativo em Toledo. Sem saber como resgatar o pai, D. Inigo resolveu procurar a mãe, que se tornara, segundo uns, numa fada, segundo outros, numa alma penada. A Dama de Pé de Cabra decidiu ajudar o filho, dando-lhe um onagro, uma espécie de cavalo selvagem, que o transportou a Toledo. Aí, o onagro abriu a porta da cela com um coice e pai e filho cavalgaram em fuga, mas, no caminho, encontraram um cruzeiro de pedra que fez o animal estacar. A voz da Dama de Pé de Cabra instruiu o onagro para evitar a cruz. Ao ouvir aquela voz, depois de tantos anos e sem saber da aliança do filho com a mãe, D. Diogo Lopes benzeu-se, o que fez com que o onagro os cuspisse da cela, a terra tremesse e abrisse, deixando ver o fogo do Inferno, que engoliu o animal. Com o susto, pai e filho desmaiaram. D. Diogo, nos poucos anos que ainda viveu, ia todos os dias à missa e todas as semanas se confessava. Já D. Inigo nunca mais entrou numa igreja e crê-se que tinha um pacto com o Diabo, pois, a partir de então, não havia batalha que não vencesse.
O sapateiro percebeu pela forma deixada no chão que a donzela tinha pés de cabra
mas mesmo assim fez uns sapatos adequados (col. pess.)
Diz a lenda nas crenças populares, que se pode ver a Dama Pé de Cabra vagar na torre de menagem
do castelo de Marialva que se encontra em ruínas (arq. priv.)
D. Diogo Lopes é surpreendido durante uma caçada
por uma linda mulher que cantava (arq. pess.)
Diz a lenda que a Dama de Pé de Cabra deu um grito e começou a elevar-se no ar com a sua filha Dona Sol,
saindo ambas por uma janela sob um céu de breu estrelado para nunca mais serem vistas (arq. priv.)
D. Diogo Lopes benzeu-se, o que fez com que o onagro os cuspisse da cela, a terra tremesse e abrisse,
deixando ver o fogo do Inferno, que engoliu o animal (col. pess.)
D. Inigo a partir de então, não havia batalha que não vencesse contra os mouros (arq. priv.)
Lenda de Santa Iria
Conta a história que na antiga Nabância (hoje Tomar) nasceu Iria, uma bela jovem de seu nome Iria ou Eirena, pertencente a uma rica família da região. Desde cedo, Iria descobriu a sua vocação religiosa tendo entrado para um mosteiro. A jovem Iria recebeu educação esmerada e professou num mosteiro de monjas beneditinas, o qual era governado pelo seu tio, o abade Sélio. Devido à sua beleza e inteligência, Iria cedo congregou a afeição das religiosas assim como das pessoas da terra, sobretudo dos jovens e dos fidalgos, que disputavam entre si as virtudes de Iria. A região à época era governada pelo príncipe Castinaldo, cujo filho Britaldo tinha por hábito compor trovas junto da igreja de S. Pedro. Um dia, Britaldo viu Iria, ficando perdidamente apaixonado por ela. Ficou doente de amor e em estado febril, desesperado, reclamava a presença da jovem. Iria pediu-lhe que a esquecesse, porque o seu coração tal como o seu amor eram de Deus. Britaldo concordou, sob a condição de que ela não pertencesse a mais nenhum homem. Dos amores de Britaldo teve conhecimento Remígio, um monge director espiritual de Iria, ao qual também a beleza da donzela não lhe passara despercebida. Ardendo de ciúmes, o monge Remígio deu a Iria uma tisana que se pretendeu embruxada, e que lhe fez surgir no corpo opulência própria da gravidez. Por esse motivo ela foi expulsa de imediato do convento, recolhendo-se junto do rio para orar de desespero. Britaldo ao saber ficou furioso, perdido de ciúmes, seguiu-a num dos seus habituais passeios ao rio Nabão e aí, Iria foi assassinada à traição por um servo de Britaldo ou pelo próprio, foi apunhalada e atirado o seu corpo à água. O corpo de Iria foi levado pelas águas do rio Nabão até ao rio Zêzere e daí ao Tejo. Depois de muitas buscas feitas e quando estavam quase a desistir, o corpo de Iria foi encontrado junto da cidade de Scalabis (Santarém), encerrado como por milagre num belo sepulcro de mármore. Quiseram retirá-lo, mas as águas do Tejo, que tinham baixado de repente para mostrar o túmulo, voltaram a subir, cobrindo para sempre o sepulcro da mártir. O povo rendeu-se ao milagre e foi considerada Santa, a partir de então, a cidade passou a chamar-se de Santa Iria, mais tarde Santarém. Cerca de seis séculos depois, diz a lenda que as águas do Tejo voltaram a abrir-se para revelar o túmulo à rainha Santa D. Isabel que venerava Santa Iria, mandando colocar o padrão que ainda hoje se encontra na Ribeira de Santarém onde se pode ler nas inscrições:
A D. S IRENAM OR D. INIS DL NEDIOTI
HICTAGVS IRENASACROTEGITOSSA SE PVLCHRO
QV.ª VTVIRCO MARTIR EVLGETINARCEPOLI
Diz a lenda que um dia, Britaldo viu Iria, ficando
perdidamente apaixonado por ela (col. pess.)
Dos amores de Britaldo teve conhecimento Remígio, monge director
espiritual de Iria, ao qual também a beleza da donzela
não lhe passara despercebida (arq. pess.)
O assassinato de Iria numa litografia de Manuel Macedo
e Alfredo Roque Gameiro, 1904 (arq. priv.)
Imagem da morte de Santa Iria que se tornou numa lenda.
Azulejos do séc. XVIII da igreja matriz
de Santa Iria de Azóia (arq. priv.)
Rio Nabão em Tomar que segundo a lenda levou Iria nas suas águas (foto Paulo Nogueira)
Convento de Santa Iria de Tomar junto ao rio Nabão (foto Vitor Oliveira)
A rainha D. Isabel, mandou colocar o padrão a Santa Iria que ainda hoje se encontra
na Ribeira de Santarém (arq. priv.)
Lenda da Senhora da Nazaré
Conta a lenda que ao nascer do dia 14 de setembro de 1182, D. Fuas Roupinho, alcaide do castelo de Porto de Mós, caçava junto ao litoral, envolto por um denso nevoeiro, perto das suas terras, quando avistou um veado que de imediato começou a perseguir. O veado, que muitos afirmam se tratar do Diabo, dirigiu-se para o cimo de uma falésia. D. Fuas, no meio do nevoeiro, isolou-se dos seus companheiros. Quando se deu conta de estar no topo da falésia, à beira do precipício, em perigo de morte, reconheceu o local. Estava mesmo ao lado de uma gruta onde se venerava uma imagem da Virgem Maria com o Menino Jesus. Rogou então, em voz alta: "Senhora, Valei-me!". De imediato, miraculosamente o cavalo estacou, fincando as patas no penedo rochoso suspenso sobre o vazio, o Bico do Milagre, salvando-se assim o cavaleiro e a sua montada da morte certa que adviria de uma queda de mais de cem metros. Diz o povo que ainda se podem ver as marcas das ferraduras do cavalo de D. Fuas Roupinho marcadas na rocha. Após esta situação, conta a lenda que D. Fuas Roupinho desmontou, desceu até à gruta para rezar e agradecer pelo milagre. De seguida mandou os seus companheiros chamar pedreiros para construírem uma capela sobre a gruta, em memória do milagre, a Ermida da Memória, para aí ser exposta à veneração dos fiéis a milagrosa imagem. Antes de entaipar a gruta os pedreiros desfizeram o altar ali existente e entre as pedras, inesperadamente, encontraram um cofre em marfim contendo algumas relíquias e um pergaminho, no qual se identificavam as relíquias como sendo de São Brás e São Bartolomeu, relatando igualmente a história da pequena imagem esculpida em madeira, policromada, representando a Santíssima Virgem Maria sentada num banco baixo a amamentar o Menino Jesus. Segundo o pergaminho a imagem terá sido venerada desde os primeiros tempos do cristianismo em Nazaré, na Galileia, tendo sido salva no século V, dos movimentos iconoclastas, pelo monge grego Ciríaco. Este transportou-a até ao mosteiro de Cauliniana, perto de Mérida, onde permaneceu até 711, ano da batalha de Guadalete, após a qual derrotadas pelos muçulmanos, as forças cristãs fugiram para Norte. A imagem foi então trazida por Frei Romano, monge de Cauliniana, e por D. Rodrigo, o último rei Visigodo. Perante o avanço islâmico, o Rei e Frei Romano, um dos monges ali residentes, decidiram partir para lugar seguro, levando consigo a pequena imagem mariana, um cofre e caixa com relíquias, assim como um relato das circunstâncias da fuga. Chegaram ao Monte de São Bartolomeu, nas proximidades da actual Nazaré. O monarca e o monge separaram-se tendo o primeiro permanecido no local e o segundo levado o ícone juntamente com as relíquias para um monte vizinho. Aí Frei Romano para se abrigar construiu um pequeno nicho entre os rochedos, com a sua morte e a partida de D. Rodrigo para o norte, a imagem ficou esquecida na pequena lapa construída pelo monge, no actual promontório do Sítio (Nazaré).
Representação do milagre a D. Fuas Roupinho
durante uma caçada (arq. priv.)
Bico do Milagre, diz o povo que ainda se podem ver as marcas das ferraduras do cavalo
de D. Fuas Roupinho marcadas na rocha (arq. priv.)
Representação da chegada da imagem de Nossa Senhora ao promontório,
com os seus protagonistas, D. Rodrigo e Frei Romano (arq. priv.)
Imagem de Nossa Senhora da Nazaré
(arq. priv.)
Capela da Memoria na Nazaré mandada erguer por D. Fuas Roupinho (foto Paulo Nogueira)
Registo do séc. XVIII alusivo ao Milagre da Senhora da Nazaré
e á sua lenda (col. pess.)
Lenda do Galo de Barcelos
Conta-se que os habitantes de Barcelos andavam alarmados com um crime, do qual ainda não se tinha descoberto o criminoso que o cometera. Certo dia, apareceu um galego que se tornou suspeito. As autoridades resolveram prendê-lo, apesar dos seus juramentos de inocência, que estava apenas de passagem em peregrinação a Santiago de Compostela, em cumprimento de uma promessa como era tradição na época, sendo devoto fiel de São Paulo e da Virgem Santíssima. No entanto, acabou sendo condenado à morte na forca. O homem desesperado com esta decisão e sabendo que estava inocente, pediu que o levassem à presença do juiz que o condenara. Concedida a autorização, levaram-no à residência do magistrado, que nesse momento se banqueteava numa grande sala com alguns amigos. O galego voltou a afirmar a sua inocência e, perante a incredulidade dos presentes, apontou para um galo assado que estava sobre a grande mesa junto de outras iguarias, exclamando:
- "É tão certo eu estar inocente, como certo é esse galo cantar quando me enforcarem!"
Perante gargalhadas e risos, que não se fizeram esperar, mas pelo sim pelo não, ninguém tocou no galo. O juiz empurrou o prato para o lado e ignorou o apelo. Pois o que parecia impossível aconteceu, quando o peregrino estava a ser enforcado, o galo assado ergueu-se na mesa e cantou perante o espanto de todos os que zombaram do pobre galego. Após tal acontecimento mais ninguém duvidava da inocência daquele galego peregrino. Compreendendo o seu erro, o juiz correu para a forca descobrindo que o galego se salvara graças a um nó mal feito. O pobre homem foi imediatamente solto e mandado em paz e dado como encerrado o caso. Alguns anos mais tarde, o galego teria voltado a Barcelos para esculpir o Monumento do Senhor do Galo em louvor à Virgem Maria e a Santiago Maior. Monumento que se encontra actualmente no Museu Arqueológico de Barcelos. Diz-se que o primeiro galo em cerâmica baseado nesta lenda foi feito pelo artesão Domingos Côto. Desde então, o Galo de Barcelos passou a figura popular e foi-se espalhando, fortalecendo ao longo das décadas a tradição, imortalizado na arte não só da cidade de Barcelos, mas de todo Portugal, seja de cerâmica, madeira ou outros materiais. É o souvenir português mais famoso!
Galego peregrino para Santiago de Compostela que se tornou suspeito
de um crime que não cometeu (col. pess.)
Banquete do magistrado onde o galo assado diz a lenda que cantou perante a inocência do galego
(arq. priv.)
Monumento do Senhor do Galo em louvor à Virgem Maria
e a Santiago Maior esculpido pelo galego
condenado injustamente
(foto Paulo Nogueira)
A figura típica em cerâmica do tradicional galo de Barcelos
que surgiu da lenda (arq. pess.)
Lenda do Penhor de Justiça
Uma lenda local narra que D. Garcia, alcaide do Castelo de Penha Garcia, há muito que cortejava D. Branca, uma jovem de rara beleza, filha do poderoso governador de Monsanto, uma aldeia próxima. Conta-se que numa certa noite de grande temporal, D. Garcia raptou D. Branca da casa de seu pai. Nessa mesma noite o governador deu ordem aos seus soldados para procurarem e perseguirem por todas as redondezas D. Garcia, afim de o capturar e fazer justiça. Após meses de perseguição implacável, pelas terras da Beira, D. Garcia finalmente acabou por ser capturado nas encostas da serrania pelos homens do governador. Embora as práticas do género, à época, fossem punidas com a pena capital, diante dos insistentes apelos da filha, que implorou a seu pai, o poderoso governador poupou a vida a D. Garcia, condenando-o, alternativamente, à perda do braço esquerdo, como penhor de justiça. Conta-se que desde à séculos, muitos terem já visto o vulto do fantasma do decepado D. Garcia em noites de grandes temporais. De acordo com os habitantes locais, a figura lendária do decepado D. Garcia, continua vigiando, do alto das torres, o morro sobranceiro de Monsanto.
Castelo de Penha Garcia onde D. Garcia era alcaide, desenho de Duarte de Armas em 1509 (arq. priv.)
Numa noite de grande temporal, D. Garcia raptou D. Branca da casa de seu pai (col. pess.)
Conta-se que desde à séculos, muitos terem já visto o fantasma
do decepado D. Garcia vigiando do alto das torres
em noites de grandes temporais
(col. pess.)
Castelo de Penha Garcia na actualidade, onde há quem diga que em noites de temporal
D. Garcia continua vigiando nas muralhas (arq. priv.)
Castelo de Monsanto sobranceiro a Penha Garcia na actualidade (arq. priv.)
Lenda da Boca do Inferno
Esta lenda passa-se na zona de Cascais, onde se conta que em tempos existiu um castelo habitado por um feiticeiro demoníaco, (a par da versão de diz ser um gigante malévolo). Esse feiticeiro e figura malévola escolheu a mais bela donzela da zona para se casar, mas ao vê-la em pessoa e perante a rejeição desta, decidiu prendê-la e esconde-la, louco de ciúmes pela beleza desta. Obcecado pela beleza da jovem e irritado por não ser correspondido, o homem fechou-a numa torre inacessível, perto do mar e contratou um fiel cavaleiro para a guardar. A donzela ficou confinada a uma torre solitária, com o cavaleiro de guarda, sem nunca se poderem ver. Os anos passaram e os dois conversavam, fazendo companhia um ao outro, até que o cavaleiro um dia, atendendo à sua curiosidade, decidiu subir à torre para ver a sua amiga. Diz a lenda que, quando o cavaleiro abriu a porta, ficou embasbacado com a beleza daquela donzela e rapidamente se enamorou dela. Os apaixonados decidiram fugir a cavalo, esquecendo-se que o feiticeiro enfeitiçara a donzela e de tudo sabia. Assim, fugiram num cavalo branco do feiticeiro e galoparam seguindo os rochedos da costa, numa bela noite de luar. O feiticeiro, enraivecido e sedento de vingança, invocou uma tempestade fortíssima que atingiu os rochedos por onde os amantes fugiam. Conta a lenda que os rochedos abriram-se como uma boca, e as águas engoliram a donzela e o cavaleiro, despenhando-os no mar irascível. Esse buraco nunca mais fechou e em dias de tempestade parece que o próprio local se lamenta da tragédia que ali se viveu. A população local começou a chamar-lhe "Boca do Inferno", pelo destino infeliz que o par teve. O povo em dias de vento e tempestade, parecem querer contar a todos a infeliz história daqueles dois amantes.
Porto e vila de Cascais no séc. XVI, numa gravura publicada
por Georg Braun e Frans Hogenberg (arq. priv.)
O feiticeiro ou gigante malévolo da lenda que vivia em Cascais (arq. priv.)
Diz a lenda que o cavaleiro ficou surpreso com a beleza daquela donzela
e rapidamente se enamorou dela (col. pess.)
Os rochedos abriram-se como uma boca, e as águas engoliram
a donzela e o cavaleiro, despenhando-os no mar irascível
(col. pess.)
Boca do Inferno na actualidade em dia de mar agitado e tempestade (arq. priv.)
Lenda da Lagoa do Negro
Esta lenda conta a história de como a Lagoa do Negro, na ilha Terceira no arquipélago dos Açores, apareceu. Conta-se que, há séculos, existia uma família nobre na ilha Terceira, com escravos negros como era habito à época. A única filha do patriarca era submissa e receava o pai, conta-se que aceitou sem questionar um casamento imposto. Mas não havia amor, no entanto nessa época a mulher, por educação e honestidade, submetia-se ao marido. Porém ninguém manda nos sentimentos, nem mesmo a mulher mais digna. A moça, presa num casamento por conveniência do pai, apaixonou-se por um dos escravos da casa, que também a amava. Nessa época os criados negros de então não eram vistos como seres humanos, com sentimentos. Ninguém sequer imaginava que tivessem atrevimento de se apaixonar pela sua senhora. Contrariando todas estas leis, criadas pelos interesses dos homens, o escravo negro e a morgada enamoraram-se, denunciando apenas no olhar tímido, mas expressivo, o sentimento que os unia. Um dia o escravo negro falou com a sua amada e, juntos, chegaram à conclusão que o seu amor era impossível no mundo em que viviam. Só poderiam viver juntos se fugissem. No entanto, o marido da morgada tinha ordenado a uma das aias da esposa que a seguisse por todo o lado. Certo dia a aia que seguia a morgada para todo o lado, escutou os apaixonados a falar do seu amor, tendo de imediato ido contar ao seu amo. Este, vexado e enraivecido, ordenou que se prendesse o escravo. O homem negro, ao ouvir cães de caça e cavalos ao longe, percebeu que o buscavam pondo-se em fuga. Fugiu pelos montes e vales, até não mais conseguir correr, parou numa região no interior da ilha deixando-se cair em desespero. Diz a lenda que o escravo negro começou a chorar tanto e com tanta tristeza, que as suas lágrimas fizeram nascer uma lagoa à sua frente. Assustado e encurralado, ouvindo os cavalos cada vez mais próximos, correu colina acima atirando-se para a lagoa, onde morreu afogado. Localiza-se esta Lagoa do Negro na freguesia dos Altares, concelho de Angra do Heroísmo, na ilha Terceira, nos Açores num ambiente de aspecto escandinavo.
O escravo negro e a morgada enamoraram-se, denunciando apenas no olhar tímido,
mas expressivo, o sentimento que os unia (col. priv.)
O homem negro, ao ouvir cães de caça e cavalos ao longe,
percebeu que o buscavam pondo-se em fuga (arq. priv.)
Diz a lenda que o escravo negro começou a chorar tanto e com tanta tristeza,
que as suas lágrimas fizeram nascer uma lagoa à sua frente (col. priv.)
Lagoa do Negro localiza-se na freguesia dos Altares, concelho de Angra do Heroísmo,
na ilha Terceira, nos Açores (foto Duarte Diniz)
Lenda da Senhora do Monte
Conta-se que no final do século XV, a cerca de 1 quilómetro acima de onde se situa actualmente a igreja de Nossa Senhora do Monte, na localidade do Terreiro da Luta, uma menina brincava durante a tarde com uma pastorinha. A pastorinha ofereceu uma merenda a esta menina. A pastorinha, muito satisfeita, contou o sucedido à sua família, que não acreditou na sua história, por ser improvável que naquela mata deserta e tão afastada da povoação aparecesse uma menina. Na tarde do outro dia, a menina voltou a brincar com a pastorinha que voltou a dar-lhe merenda, e a pastorinha contou novamente à família. No dia seguinte, à hora indicada pela pastorinha, o seu pai foi de modo oculto observar a cena. Foi quando viu sobre uma pedra uma pequena imagem de Maria Santíssima e, à sua frente, a inocente pastorinha que se apressou a dizer-lhe que era aquela imagem a menina de quem lhe falava. O pai, perplexo, não ousou tocar a imagem e comunicou o facto à autoridade, que mandou colocar a imagem na Capela da Encarnação, próxima da actual igreja de Nossa Senhora do Monte. Deu-se, desde então, este nome àquela venerada imagem. Outra versão da lenda conta que nos primeiros tempos da colonização da ilha da Madeira, havia uma ribeira de água límpida e abundante, rodeada de terras férteis. Conta-se que um dia, um homem abastado canalizou a água da ribeira para as suas terras. A água era vital para a sobrevivência dos demais, pelo que, desesperada, a população resolveu fazer uma procissão à Senhora do Monte, implorando a sua ajuda. Pouco depois a água voltou a correr na ribeira e o povo, usando em seu benefício a ideia do desvio da água, construiu regos (ou cales) que tornaram férteis muitos campos e quintas. A ribeira ficou a ser conhecida como a ribeira de Cales e o milagre da Senhora do Monte ficou para sempre na memória popular madeirense.
Representação da lenda da aparição de Nossa Senhora Monte a uma menina
no final do séc. XV (col. priv.)
Imagem de Nossa Senhora do Monte (arq. priv.)
A ribeira ficou a ser conhecida como a ribeira de Cales
e o milagre da Senhora do Monte ficou para sempre
na memória popular madeirense (arq. priv.)
Levada nas serras da ilha da Madeira também associadas à lenda de Cales
e Nossa Senhora do Monte (arq. priv.)
Igreja e Santuário de Nossa Senhora do Monte no Funchal na actualidade
(foto Paulo Nogueira)
Lenda das Obras de Santa Engrácia
Diz a lenda que em meados de 1630, uma bela donzela de seu nome Violante, filha de um importante fidalgo de Lisboa, ter-se-ia perdido de amores por um cristão-novo, de seu nome Simão Pires Solis. O pai da jovem, que não via com bons olhos o amor dos dois apaixonados, mandou encerrar a filha no convento de Santa Clara que se situava ao lado da igreja de Santa Engrácia, ainda em construção. O jovem Simão Pires Solis não negou o seu amor por Violante e cavalgava todos os dias até ao convento de Santa Clara para se encontrar às escondidas com Violante. Um dia, Simão pediu à sua amada para fugir com ele. Por coincidência, nessa noite, foi roubado o relicário da mártir portuguesa Santa Engrácia, tão cara à infanta D. Maria. No dia seguinte, na data combinada, Simão Pires Solis foi acordado pelos homens do rei, que o vinham prender acusando-o do roubo das relíquias da igreja de Santa Engrácia, situada muito perto do convento. Para não comprometer Violante, Simão Solis não quis revelar a razão porque havia sido visto no local na noite anterior. Apesar de invocar repetidamente a sua inocência, Simão Solis foi preso e condenado à morte na fogueira devido ao facto e agravado pela sua ascendência judaica. A cerimónia da execução teve lugar junto da nova igreja de Santa Engrácia, cujas obras já haviam começado. Reza a lenda que quando as labaredas envolveram o corpo de Simão Solis, este gritou que era tão certo morrer inocente como aquelas obras nunca mais acabarem. Ainda, segundo a lenda, anos mais tarde, a noviça Violante terá sido chamada à presença de um moribundo quando este estava às portas da morte, pois queria confessar-lhe que tinha sido ele o ladrão do relicário de Santa Engrácia. Conhecedor da relação secreta de Simão Solis e Violante, tinha incriminado o jovem rapaz, que por ali era visto quase todas as noites, e queria agora pedir perdão à mulher que perdera o seu amor da maneira mais cruel e injusta que alguém poderia perder. No entanto o perdão foi aceite por Violante. Certo é que as obras da igreja iniciadas à época da execução de Simão Pires Solis pareciam nunca mais terminar. De tal forma, que o povo se habituou a comparar tudo aquilo que parece não ter fim às obras de Santa Engrácia, surgindo daí o ditado popular.
Conta a lenda que o pai da jovem Violante mandou encerrar a filha no convento de Santa Clara
que se situava ao lado da igreja de Santa Engrácia ainda em construção (col. pess.)
A jovem Violante encerrar no convento de Santa Clara
tenta fugir com seu amado João Pires Solis
(col. pess.)
Relicário da mártir portuguesa Santa Engrácia que,
diz a tradição ter sido roubado no ano de 1630
dando origem à lenda (col. priv.)
Quando as labaredas envolveram o corpo de Simão Solis, este gritou que era tão certo morrer inocente
como aquelas obras nunca mais acabarem (col. priv.)
As obras da nova igreja de Santa Engrácia ainda em meados dos sec. XIX
in Archivo Pittoresco (arq. pess.)
Fase final de construção da igreja de Santa Engrácia em 1966 (arq. AML)
Igreja de Santa Engrácia, hoje Panteão Nacional já terminada
(foto Paulo Nogueira)
Lenda da Costureirinha
Esta é uma das lendas que mais versões tem por todo o Baixo Alentejo. Conta uma delas que no início do século XX havia no Baixo Alentejo uma costureira que trabalhava muito, incluindo ao Domingo. Por isso, por não respeitar o dia sagrado segundo a tradição católica, Deus castigou-a e fez com que andasse a vaguear no mundo dos vivos, depois da sua morte. Outra versão é que esta costureira tinha feito uma promessa a S. Francisco, em vida, e nunca a cumpriu até morrer. Assim, deveria redimir-se, passando um período de errância, antes de subir aos céus. O motivo não se sabe, mas o que se sabe é que a costureirinha se tornou alma-penada e vagueava entre os vivos, invisível. Outras versões contam que em tempos que já lá vão, uma certa costureira fez um vestido de noiva para a filha, mas esta morreu antes do casamento. Cheia de tristeza, a senhora terá continuado a costurar por toda a eternidade. Conta-se ainda que uma certa costureira adoeceu gravemente. Com intuito de recuperar a sua saúde prometeu que doaria a sua máquina de costura caso melhorasse. Porém, assim que recuperou esqueceu-se do prometido, por isso quando faleceu, como castigo, foi obrigada a continuar a costurar. Em todas as versões diz-se até hoje que no silêncio da noite, ouvia-se a costureirinha a coser, e muitos ouviam a máquina a trabalhar, a tesoura a cortar, o dedal a cair. No entanto, esta assombração não assustava os alentejanos, pois a costureirinha era familiar. E agora, será que ainda se sente?
A costureira que trabalhava muito, incluindo ao Domingo
e por não respeitar o dia sagrado da tradição
católica foi castigada (col. pess.)
Certa costureira fez um vestido de noiva para a filha, mas esta morreu antes do casamento
(arq. priv.)
Costureira que na lenda se esqueceu da sua promessa
continuando por isso a sua labuta (col. pess.)
Em todas as versões diz-se até hoje que no silêncio da noite
ouviam a máquina da costureira a trabalhar,
a tesoura a cortar, o dedal a cair
(arq. priv.)
Se estas lendas e outras mais têm o seu quê de verdade, não sabemos, e talvez nunca venhamos a saber. No entanto algumas destas lendas portuguesas deram nome a cidades, localidades, a vilas, e até originaram rituais. Há que perceber e saber distinguir lenda de realidade, infelizmente por vezes, muitos não o sabem fazer, por ignorância ou por falsas crenças. Afinal lendas são narrativas fantasiosas transmitidas pela tradição oral através dos tempos. De carácter fantástico e/ou fictício, as lendas combinam factos reais e históricos com factos irreais que são meramente produto da imaginação. Agora resta-nos esperar que os que ainda conhecem muitas dessas lendas, as continuem a contar e a passar de geração em geração, sabendo separar a realidade da ficção sempre em cada contexto.
Resta-nos esperar que os que ainda conhecem muitas dessas lendas,
as continuem a contar e a passar de geração em geração
(arq. pess.)
Neste artigo, tal como nos demais deste blog, agradecem-se e serão sempre de louvar todas as correcções que possam existir, desde que sejam feitas de forma educada e construtiva.
Obviamente eventuais atitudes de ignorância serão eliminadas.
Obrigado e boas leituras a todos.
Texto:
Paulo Nogueira
Fontes e bibliografia:
HERCULANO, Alexandre, Lendas e Narrativas, Imprensa Nacional/Viúva de Bertrand e Filhos, Lisboa, 1851
RAMOS, Feliciano, Contos, Lendas e Narrativas, Seleccção, introdução e anotações literárias, 3a edição revista e ampliada, Livraria Cruz, Braga, 1959
MELLO, Fernando Ribeiro de, Antologia do Conto Fantástico Português, Colecção Antologia, Edições Afrodite, Lisboa 1974
MELLO, Fernando Ribeiro de, Antologia do Conto Fantástico Português, Colecção Antologia, Edições Afrodite, Lisboa 1974
FURTADO-BRUM, Ângela, Açores, Lendas e Outras Histórias (2a. ed), Ribeiro & Caravana Editores, Ponta Delgada, 1999
MOUTINHO, José Viale, Portugal Lendário, Tesouro da tradição popular, Circulo de Leitores, Lisboa, 2015
Como advertência muito do material fotográfico aqui apresentado neste artigo, assim como nos demais artigos, tem sempre o nome do seu autor ou fonte de proveniência, é algo pelo qual este espaço de divulgação cultural prima desde o seu inicio em todos os artigos. Obviamente que muito material não se sabe a quem pertence por falta de informação dos seus autores, logo será impossível referencia-los e são legalmente indicados como arquivos privados, dos seus autores mesmo desconhecidos. Muitas vezes certo material fotográfico, se se verificar com a devida atenção e sem olhar a simpatias pessoais, é usado em outros espaços sem a referencia de autores ou proveniências, uma vez mais torna-se difícil e impossível identificar a quem legalmente pertence. Obrigado.
ResponderEliminarAmei o texto vai para meu trabalho de ilpt da escola kjkjkkjjkj
ResponderEliminarMuito obrigado pelo seu comentário e leitura deste meu artigo.
EliminarTerei todo o gosto em que utilize o texto deste meu artigo para o seu trabalho e que lhe seja útil.
Antigamente havia pessoas que diziam ouvir a costureirinha costurar e ouvir o barulho da máquina era um mau presságio , indicador de que alguém próximo iria morrer . Isto caíu no esquecimento / desconhecimento . Há 8 anos , dois dias antes de meu marido morrer , ouvi a máquina de costura num canto específico do quarto . Estava bem acordada , não foi um sonho !
ResponderEliminarObrigado pelas lendas vai servir bastante oara o meu trabalho e vou colocar autor
ResponderEliminaradorei
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