terça-feira, 8 de setembro de 2020

IMAGENS COM HISTÓRIA


"Uma imagem vale mais que mil palavras"

  Confúcio


Desde que a humanidade conseguiu retratar através de imagens nos mais diversos suportes, os momentos históricos quer de guerras, dramas sociais, conquistas e até as situações mais bizarras da vida, estavam por si só a criar a base de dados com os registos e as provas concretas da sua própria história para as gerações vindouras e a posteridade. Com isto surge o poder da imagem. Processo esse que se valorizou cada mais até à actualidade, com o objectivo de manter essa base de dados, sempre actualizada a cada acontecimento e dia que passa.






Em 10 de maio de 1869, as duas grandes companhias ferroviárias dos Estados Unidos uniram as suas linhas férreas na Promontory Summit, local Território de Utah e a partir dai forjaram o destino de uma nação. O local Histórico Nacional Golden Spike compartilha as histórias das pessoas e ambientes que definem a conclusão da primeira Linha de Caminho de Ferro Transcontinental e registado pelo fotógrafo Andrew Joseph Russell (1829 - 1902). A Primeira Ferrovia Transcontinental é o nome popular da linha ferroviária dos Estados Unidos (conhecida à época como "Pacific Railroad") ficou completa em 1869 entre Council Bluffs, Iowa/Omaha, Nebraska (via Ogden, Utah e Sacramento, Califórnia) e Alameda, Califórnia. Esta ligação ferroviária ligou as costas do Atlântico e Pacífico por caminho de ferro pela primeira vez na história. Autorizada pelo Acto Ferroviário do Pacífico de 1862 e sustentada pelo governo norte-americano, ela foi o culminar de um movimento de longas décadas para a construção da linha e uma coroação das façanhas da presidência de Abraham Lincoln (1809 - 1865), apesar de ter sido concluída quatro anos após sua morte. A construção da ferrovia requereu enormes feitos da engenharia e do trabalho na passagem de planícies e altas montanhas pelas companhias Union Pacific Railroad e Central Pacific Railroad, que construíram a linha ocidental e oriental, respectivamente. A ferrovia foi considerada o maior feito tecnológico norte-americano do século XIX. O Promontory Summit foi por um período uma cidade temporária durante a construção do caminho de ferro, mas tempos depois foi demolida, e desde aquela época não possui população permanente. Desde 1957 o local tem sido preservado como parte do Sítio Histórico Nacional da Cavilha de Ouro ou Golden Spike National Historic Site. No local encontram-se réplicas das duas locomotivas que participaram do acto em 1869, a Jupiter e a Union Pacific No. 119. Ocorrem também nesse local ainda hoje encenações que recriam a cerimónia do designado Golden Spike.






Um triste e cobarde acontecimento ocorrido em Lisboa no dia 1 de fevereiro de 1908 onde nenhum fotógrafo esteve presente mas que mais tarde alguém fez a reconstituição em imagem. Na manhã desse fatídico dia, a comitiva régia, composta pelo rei de Portugal D. Carlos I (1863 - 1908), sua esposa D. Amélia de Orleães (1865 - 1951), seus dois filhos o mais velho D. Luís Filipe de Bragança (1887 - 1908), o mais novo D. Manuel II de Portugal (1889 - 1932), chegou ao Barreiro no comboio real, ao final da tarde, vindos de Vila Viçosa, onde tomou o vapor "D. Luiz", com destino ao Terreiro do Paço, em Lisboa, onde desembarcaram, na Estação Fluvial Sul e Sueste, por volta das 5 horas da tarde. A escolta resumia-se aos batedores protocolares e a um oficial a cavalo, Francisco Figueira Freire, ao lado da carruagem do rei. Quando a carruagem circulava junto ao lado ocidental da praça ouve-se um tiro e desencadeia-se o tiroteio. Um homem de barbas, passada a carruagem, dirige-se para o meio da rua, leva à cara a carabina que tinha escondida sob a sua capa, põe o joelho no chão e faz pontaria disparando. O tiro atravessou o pescoço do rei, matando-o imediatamente. Começa o tiroteio, outros atiradores, em diversos pontos da praça, atiram sobre a carruagem, que fica crivada de balas. Os populares desatam a correr em pânico. O condutor da carruagem, Bento Caparica, é atingido numa mão. Com uma precisão e um sangue frio mortais, o primeiro atirador, mais tarde identificado como Manuel Buíça (1876 - 1908), professor primário expulso do Exército, volta a disparar. O seu segundo tiro vara o ombro do rei, cujo corpo descai para a direita, ficando de costas para o lado esquerdo da carruagem. Aproveitando isto, surge a correr de debaixo das arcadas um segundo regicida, Alfredo Luís da Costa (1883 - 1908), empregado do comércio e editor de obras de escândalo, que pondo o pé sobre o estribo da carruagem, ergue-se à altura dos passageiros e dispara sobre o rei já tombado. A rainha D. Amélia, já de pé, fustiga-o com a única arma de que dispunha, um ramo de flores, gritando "Infames! Infames!" O criminoso volta-se para o príncipe D. Luís Filipe, que se levanta e saca do revólver do bolso do sobretudo, mas é atingido no peito. A bala, de pequeno calibre, não penetra o esterno (segundo outros relatos, atravessa-lhe um pulmão, mas não era uma ferida mortal) e o príncipe, sem hesitar, aproveitando porventura a distracção fornecida pela actuação inesperada da rainha sua mãe, desfecha quatro tiros rápidos sobre o atacante, que tomba da carruagem. Mas ao levantar-se D. Luís Filipe fica na linha de tiro e o assassino da carabina atira a matar, uma bala de grosso calibre atinge-o na face esquerda, saindo pela nuca. D. Manuel vê o seu irmão já tombado e tenta estancar-lhe o sangue com um lenço, que logo fica ensopado. D. Amélia permanece de pé, gritando por ajuda. Manuel Buíça volta a fazer pontaria (sobre o infante? sobre a rainha?) mas é impedido de disparar sobre a carruagem pela intervenção de Henrique da Silva Valente, simples soldado de Infantaria 12, que passava no local, e que se lança sobre ele de mãos nuas. O Regicídio de 1 de fevereiro de 1908, ocorrido em Lisboa na Praça do Comércio, que na época era mais conhecida por Terreiro do Paço, marcou profundamente a História de Portugal, uma vez que dele resultou a morte do rei D. Carlos I e do seu filho e herdeiro, o Príncipe Real D. Luís Filipe de Bragança, marcando o fim da última tentativa séria de reforma da Monarquia Constitucional e gerando uma nova escalada de violência na vida pública do país. Após o regicídio, subiu ao trono D. Manuel II, filho mais novo de D. Carlos I, com apenas 18 anos de idade. Com falta de preparação para governar, teve muitas dificuldades em repor a ordem no país e em conter a fúria republicana contra a monarquia. Estavam reunidas as condições para uma revolução e consequente substituição da monarquia pela república.






No dia 5 de setembro de 1936 durante a Guerra Civil Espanhola, o miliciano republicano Federico Borrell Garcia (1913 - 1936), é fotografado no exacto momento em que é atingido fatalmente durante um combate em Cerro Muriano, front de Córdoba. A imagem é conhecida como The Falling Soldier (Morte de um Miliciano), sendo um dos mais conhecidos instantâneos da história da fotografia, é a morte em directo captada pelo fotógrafo de guerra húngaro Robert Capa de seu nome verdadeiro  Endre Erno Friedmann (1913 - 1954). Acreditava-se que a poderosa e forte cena tivesse sido capturada em Cerro Muriano, durante a Guerra Civil Espanhola, contudo, alguns historiadores mais tarde descobriram uma série de inconsistências na foto intitulada "Morte de um Miliciano" (The Falling Soldier). Os próprios companheiros de Borrell García terão informado que ele foi morto enquanto se escondia atrás de uma árvore (e não em campo aberto como a imagem mostra). Além disso, é dito que Borrell García era supostamente muito diferente do homem da fotografia. Outra evidência é que a imagem parece ter sido fotografada na cidade de Espejo, cerca de 60 km de distância de Cerro Muriano. A famosa foto foi publicada em 23 de setembro na revista francesa e um ano depois na revista americana "Time". A fotografia transformou-se ela própria num ícone do foto-jornalismo na sua expressão mais heróica, mais comprometida com o real. E, como tal, não podia escapar à polémica. A certa altura, discutiu-se se o instantâneo captava um acontecimento verdadeiro ou se tinha antes sido encenado pelo próprio fotógrafo Robert Capa e pela sua companheira Gerda Taro (1910-1939), também repórter fotográfica a seguir a guerra pelo lado dos republicanos. Depois de investigações feitas mais em rigor chegou-se à conclusão tratar-se de facto de Federico Borrel García, ou "Taino", um anarquista que integrou a Federação Ibérica da Juventude Libertária e se juntou à Coluna Alcoiana para, nesse tarde de setembro de 1936, defender essa força do ataque franquista. Estas dúvidas e reservas não retiram nada do valor e do simbolismo histórico, nem da qualidade jornalística e mesmo estética desta obra. Assumidos admiradores do fotógrafo Robert Capa e do seu contributo para o foto-jornalismo do século XX, os autores de "A Sombra do Iceberg", ainda segundo o jornal El País, destacam a brilhante composição da imagem do miliciano, o seu dramatismo e o significado que ela adquiriu relativamente à tragédia que se abateu sobre o povo espanhol com a Guerra Civil.


 



Fotografia imortalizada pela revista "Life" com o titulo V-J Day in Times Square. Durante o anúncio do fim da guerra contra o Japão, em 14 de agosto de 1945, o fotógrafo Alfred Eisenstaedt (1898 - 1995), registou um marinheiro beijando uma jovem mulher enfermeira vestida de branco em Times Square. A fotografia foi originalmente publicada uma semana após ser feita, na revista "Life", entre muitas outras fotografias das celebrações deste evento que foram apresentados numa secção de doze páginas chamada Victory. A pose era a favorita dos fotógrafos que faziam a cobertura da guerra e muitos deles incentivavam as pessoas a fazer a mesma cena. Porém, Alfred Eisenstaedt estava a fotografar um acontecimento espontâneo, que ocorreu em Times Square no dia do anúncio do fim da guerra contra o Japão feito pelo presidente norte americano Harry S. Truman (1884 - 1972). Perdurou um grande mistério sobre a identidade dos dois personagens da foto durante décadas. No entanto a jovem enfermeira Edith Shain escreveu a Alfred Eisenstaedt no final de 1970 afirmando ser a mulher da fotografia. Em agosto de 1945, Edith Shain estava a trabalhar num hospital de Nova York como enfermeira quando ela e um amigo ouviram no rádio que a Segunda Guerra Mundial tinha terminado. Eles foram a Times Square, onde todos celebravam e, assim que ela chegou e saiu do metro, o marinheiro agarrou-a num abraço e beijou-a. Ela contou que naquele momento pensou que poderia ser bom deixá-lo beijá-la uma vez que ele lutou por ela durante a guerra. Em 20 de junho de 2010, Edith Shain faleceu aos 91 anos, após uma batalha contra um cancro. Outra mulher de seu nome Greta Zimmer Friedman (1924 - 2016), uma auxiliar de odontologia, também afirmou ser a jovem da foto. Ela encontrou-se com George Mendonsa (1923 - 2019), o suposto marinheiro, em 2012, tendo ela falecido em 2016. A identidade do marinheiro permaneceu desconhecida e controversa. Um perito forense do departamento da polícia de Houston, analisou a fotografia de 14 de agosto de 1945 com algumas de Glenn Edward McDuffie (1927 - 2014), centrando-se no rosto, e concluiu que era ele o marinheiro da imagem do fotógrafo Alfred Eisenstaedt. Glenn McDuffie faleceu em março de 2014. Porém, na década de 2010 chegou-se à conclusão que o marinheiro era George Mendonsa, que em 2012, se encontrou com Greta Zimmer Friedman, balizando serem o casal da fotografia. Mas está é apenas uma das versões.






Em 11 de junho de 1963 durante uma manifestação na cidade de Saigon, Vietnam do Sul, contra a política religiosa do governo de Ngo Dinh Diem (1901 - 1963), o monge budista vietnamita Thich Quang Duc (1897 - 1963), originalmente baptizado de Lâm Văn Tức, o monge Mahayana, depois de se ter regado com gasolina ateou fogo ao seu próprio corpo num processo de auto-imolação. Durante o seu suicídio o acto do monge foi filmado por repórteres e fotografado por Malcolm Wilde Browne (1931 - 2012), vindo essa sua foto ser premiada com os prémios Pulitzer e Foto do Ano da World Press Photo. O repórter David Halberstam (1934 - 2007) também recebeu um prémio Pulitzer pela sua reportagem escrita do ocorrido. Este monge budista foi considerado um Bodhisattva, uma vez que mesmo tendo sido queimado e posteriormente re-cremado, consta que o seu coração permaneceu intacto. Isso aumentou o impacto da sua morte mundialmente, tornando-o um verdadeiro mártir da resistência contra a política religiosa do governo autoritário na região.






O voo da US Airways 1549, um voo comercial de passageiros de rotina, que iria de Nova York para Charlotte, Carolina do Norte, em 15 de janeiro de 2009, fez uma amaragem de emergência nas águas do rio Hudson, adjacente a Manhattan, seis minutos após descolar do Aeroporto LaGuardia. Enquanto ganhava altitude, a aeronave, um Airbus A320-214 (registro: N106US), movido por dois motores GE Aviation/Snecma CFM56-5B4/P, atingiu um grupo de gansos-do-Canadá, que resultou numa imediata perda de potência de ambos os motores. O piloto Chesley Sullenberger (1951), informou o controlador de tráfego dizendo: "Estaremos no Hudson". Logo após a mensagem, a comunicação foi cortada. A tripulação determinou que a aeronave não poderia alcançar a sua posição, logo a nordeste da ponte George Washington, decidiram guiar a aeronave para sul e estabeleceu o seu curso em direcção ao rio Hudson, amarando então o avião virtualmente intacto perto do Intrepid Sea-Air-Space Museum, no centro de Manhattan. Logo após esta situação de emergência no rio, os 155 passageiros do avião parcialmente submergido e em naufrágio saíram e foram todos resgatados por embarcações próximas. Os tripulantes começaram a conduzir os passageiros para as asas do avião e a um bote salva-vidas. Apenas resultaram cinco pessoas com ferimentos graves, uma das quais foi a comissária de bordo Doreen Welsh, que teve sérios cortes numa perna. No total, setenta e oito pessoas foram tratadas, a maioria com pequenos ferimentos e por hipotermia. Toda a tripulação do voo 1549 foi mais tarde condecorada com a Medalha de Mestre da Guild of Air Pilots and Air Navigators. No momento da entrega das medalhas, foi dito que; "Esta aterragem de emergência e a evacuação da aeronave, sem a perda de nenhuma vida humana, é uma conquista heróica e única da aviação". Vários foram os fotógrafos e repórteres de imagem que no momento captaram imagens históricas deste acidente que poderia ter tido consequências mais graves.





 
Neste artigo, tal como nos demais deste blog, agradecem-se e serão sempre de louvar todas as correcções que possam existir, desde que sejam feitas de forma educada e construtiva.
Obrigado e boas leituras.
 
 


Texto:
Paulo Nogueira

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