Provavelmente muitos de nós se passarmos na Rua Major Afonso Palla em Algés, desconhecemos que sob parte do novo empreendimento designado de "Forte de Nossa Senhora da Conceição", se ergueu outrora uma pequena fortificação dos finais do século XVII princípios de do séc. XVIII, cujo nome era dedicado a Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portugal. Das muitas fortificações construídas na barra do rio Tejo para proteger a entrada de navios inimigos no seu estuário e alcançar a capital portuguesa, o Forte de Nossa Senhora da Conceição de Pedrouços, como era designada aquela zona ribeirinha de Algés, foi construído no início do séc. XVIII com o objectivo de tornar mais eficaz a defesa contra um eventual desembarque espanhol nas águas do Tejo, na chamada defesa das "Praias" (designação dada à época para a região entre as ribeiras de Algés e Jamor), no contexto internacional que conduziu à Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1714). Há cerca de duzentos anos considerava-se este Forte situado em Pedrouços (Pedroiços), pois Algés designava apenas o aglomerado populacional que hoje é Algés de Cima (Argel's e Algeis ). Toda a área ribeirinha portanto à época, entre Belém e São José de Ribamar era conhecido e designado por Pedrouços. Sabe-se que os Fortes de São José de Ribamar e o de Santa Catarina na Cruz Quebrada, se encontravam em construção no ano de 1649. Mas o Forte de Nossa Senhora da Conceição, assim como o menos conhecido Forte da Maruja, no Dafundo, ambos terão sido erguidos meio século mais tarde, já na transição para o século XVIII, embora com projecto do final do século XVII. O Forte de Nossa Senhora da Conceição, estava situado na margem direita do ribeiro de Algés, próximo da ponte de pedra da Estrada de Lisboa. Este Forte, exemplar de arquitectura militar, em estilo maneirista, apresentava planta no formato de trapézio isósceles, nos muros abriam-se quinze canhoeiras, onze pelo lado do rio e duas em cada um dos lados. Pelo lado de terra erguiam-se edificações de serviço e a meio rasgava-se o portão de armas. A primeira referência documental a seu respeito consta de um Decreto Real, datado de 30 de agosto de 1701, que nomeia como seu Governador o visconde de Fonte Arcada. A planta da sua estrutura encontra-se no trabalho de João Tomás Correia, no "Livro de Várias Plantas deste Reino e de Castela" (1736), onde se refere que o Forte se fez no ano de 1703. Uma segunda referência a esta estrutura é feita por António do Couto de Castelo Branco, nas suas "Memórias Militares" (1719).
Em meados de 1735 o Forte foi inspeccionado por um oficial, anónimo, que o encontrou muito danificado pelas intempéries, segundo um relatório, também anónimo, de 1751, cita que foi "consertado de novo". Em 1758 encontra-se referido como Forte de Ponta do Palhais e em 1762, o seu Comandante era o Cabo Luís dos Santos Ribeiro. Sob o nº 299 o registo da "Décima Militar" de 1762 informa que nele reside o monsenhor João Guedes Pereira, razão pela qual era também conhecido à época como "Forte do Guedes".
Detalhe com o Forte de Nossa Senhora da Conceição em Algés e legenda na obra de 1763
Vista e Perspectiva da Barra Costa e Cidade de Lisboa (arq. Biblioteca Nacional de Portugal)
Planta do Forte de Nossa Senhora da Conceição de Pedrouços, da obra
Livro de Várias Plantas deste Reino e de Castela de 1736 (arq. priv.)
Imagem de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portugal
(arq. pess.)
Após a construção da Bateria do Bom Sucesso em 1780, entre as praias do "Bonsucesso" e "Pedroiços", perdeu a função estratégica, sendo abandonado como fortificação, transformando-se em residência particular. No recinto do Forte, que apresentava a forma de trapézio isósceles, cujo lado direito estava implantado junto à actual Praça 25 de Abril, é erguido mais tarde pelos condes de Pombeiro e marqueses de Belas um palácio. Seria provavelmente para o lado poente que se situava a entrada para o referido palácio, por um portão sobre o qual, num nicho, estava colocada a imagem da padroeira de Portugal, que deu nome ao Forte. Na obra "Memórias da Barra do Tejo e da Planta de Lisboa", de autor desconhecido, com data de 14 de agosto de 1803, o Forte de Nossa Senhora da Conceição, já não se encontra mencionado. Em 1818, já transformado em residência particular nunca mais é citado em qualquer lista ou relatório de fortificações. O palácio ai edificado, dos condes de Pombeiro e marqueses de Belas, nos finais do século XIX, era conhecido como Palácio da Conceição, uma habitação grande, de aspecto nobre e um belo jardim, segundo crónicas da época, passou a ter entrada pela Rua Direita, actual Rua Afonso Palla, tendo sido transferido para aí o nicho com a estátua de Nossa Senhora da Conceição, entretanto desaparecida. Numa passagem da obra de Mário Sampaio Ribeiro, "Da Velha Algés" (1938) registou; "...nos seu recinto [do forte de Pedrouços] os nobres condes de Pombeiro e Senhores de Belas levantaram sumptuoso palácio cujo portão é coroado pela imagem de pedra da Padroeira do Reino – N.ª S.ª da Conceição (…) Este portão foi demolido há relativamente poucos anos para se edificar o grande prédio chamado do Patrício, no actual Largo da Estação". É pois por alturas dos finais do século XIX que a ala poente do palácio é demolida, dando lugar a um prédio que ainda hoje lá está, com a fachada virada para a actual Praça 25 de Abril. O rio que chegava ainda ao palácio, foi ficando cada vez mais afastado e, junto ao que dele ficara, veio a passar a linha de caminho de ferro de Cascais (tema a desenvolver em próximo artigo) e construída a estação do caminho de ferro de Algés, assim como mais tarde já na década de 1940, a Estrada Marginal Lisboa-Cascais (EN6). Entretanto o Palácio da Conceição, como era conhecido, sofreu sucessivas adaptações, o afamado Hotel da Glória, numa citação com tom de critica da revista "Digressão Recreativa, Passatempo Alegre ou Revista do Viver das Praias, na época dos Banhos do Mar, no Corrente Ano de 1870", dizia: "Do lado fronteiro às casas referidas, apresenta-se qual Dona respeitável, uma habitação grande, de aspecto nobre e quatro faces rectangulares; jardim sem flores, seco, mirrado e tostado foi, dizem as crónicas, Forte, sempre fraco, e palácio de nobilíssimos marqueses, distintos, e elegantes, marqueses, que por fatalidade, engano, acaso ou não sei porquê, deixaram de ser lindos eram sempre Belas, como ainda são. Agora vemos o Forte que foi palácio que deixou de ser, tudo enfim, convertido pelas alterações do tempo e variantes da sociedade, no afamado Hotel da Glória, templo dedicado aos Deuses da folia, e brincadeira, aonde vem por vezes, muitos celebrantes, entoar cânticos e hinos, em divertidas patuscadas, arranjando bicos, peruas, moefas e cabeleiras, de variados feitios, cada qual a seu gosto, para alegrar o espírito e refrescar a vista, crestado por aquelas áreas, apesar de tão próximo das margens e ondas puras do nosso grandioso e velho padre Tejo." Também as escritoras Branca de Gonta Colaço e Maria Archer na sua obra "Memórias da Linha de Cascais" (1943) se refere a este palácio assim como ao seu estado à época e às muralhas do forte; "no terreno ocupado pelas muralhas históricas vemos agora esse prédio e a velha construção arruinada onde estiveram o Correio, Junta de Freguesia, o Registo Civil, etc., e uma garagem". Mais tarde este palácio foi Casino, nele estiveram sediados serviços administrativos vários, como os Correios, o Registo Civil, estabelecimentos comerciais, uma garagem e, finalmente a junta de Freguesia de Carnaxide.
Pormenor de painel do Palácio dos Condes de Tentúgal séc. XVIII com vista de Algés (col. Museu do Azulejo)
Detalhe de carta das margens Norte e Sul do Porto e Barra de Lisboa in cartografia
de Oeiras vendo-se já referência ao Palácio dos Marqueses de Belas,
em meados do séc. XIX (arq. da CMO)
de Oeiras vendo-se já referência ao Palácio dos Marqueses de Belas,
em meados do séc. XIX (arq. da CMO)
Postal ilustrado com estação do caminho de ferro de Algés do início do séc. XX
vendo-se ainda o Palácio da Conceição (col. pess.)
Estação do caminho de ferro de Algés vendo-se já o prédio do início do séc. XX
junto ao antigo Palácio da Conceição (arq. priv.)
junto ao antigo Palácio da Conceição (arq. priv.)
Postal ilustrado do inicio do séc. XX vendo-se a Rua Direita com
o carro eléctrico e o antigo Palácio da Conceição (col. pess.)
o carro eléctrico e o antigo Palácio da Conceição (col. pess.)
Ponte velha em Algés inicio do séc. XX, vendo-se o antigo Palácio da Conceição
ao fundo na Rua Direita (arq. AML)
ao fundo na Rua Direita (arq. AML)
Vista geral do Palácio da Conceição em 1939, com os serviços administrativos e correios
foto Eduardo Portugal (arq. AML)
foto Eduardo Portugal (arq. AML)
Vista da estrada marginal e caminho de ferro na zona de Algés em meados dos anos 40
e telhado do antigo Palácio da Conceição, foto Eduardo Portugal (arq. C.M.O.)
e telhado do antigo Palácio da Conceição, foto Eduardo Portugal (arq. C.M.O.)
Traseiras do Palácio da Conceição já degradado em 1960, foto Artur Goulart (arq. priv.)
Fachada do do Palácio da Conceição já com os serviços da Junta de Freguesia, visto da Rua Major Afonso Palla
em 1978 durante as comemorações do 25 de abril
(arq. priv.)
Este edifício incaracterístico marcado por sucessivas alterações ao longo dos tempos, foi, mesmo assim, incorporado, descrito e caracterizado no chamado Plano de Salvaguarda do Património construído no Conselho de Oeiras, com a intenção de o defender como testemunho do passado. No entanto de nada lhe valeu essa distinção e, em 17 de outubro de 2002, estava a ser demolido, à revelia do Centro de Estudos Arqueológicos do município, que de imediato embargou a demolição, precedendo à identificação dos dois panos de muralha ainda existentes, menos de metade da muralha virada para o rio e toda a do lado leste, cuja conservação e valorização ainda foi possível conseguir, impondo a reformulação do projecto inicialmente aprovado pela Câmara. De acordo com essa reformulação, no interior do designado "Empreendimento do Forte de Nossa Senhora da Conceição", nome este adoptado pela EDIFER Imobiliária, foi construído então um espaço pedonal em que a muralha esta visível através de placas de vidro. Das quinze aberturas por onde saíram outrora as bocas dos canhões (canhoeiras), algumas das quais ainda foram encontradas, infelizmente nenhuma delas visíveis. Esta nova construção apresenta um estilo "pastiche" (utilização e reabilitação de elementos antigos originais com modernos) da antiga fachada do Palácio da Conceição, composto por cinco edifícios de habitação, uma zona comercial com 13 lojas, assim como dois pisos subterrâneos, para estacionamento, de onde é possível ver no primeiro piso parte do pano da muralha virado para o rio do antigo Forte de Nossa Senhora da Conceição.
Vista aérea da demolição do antigo Palácio da Conceição e parte da muralha e área
marcada do Forte de Nossa Senhora da Conceição a descoberto (foto Google maps)
marcada do Forte de Nossa Senhora da Conceição a descoberto (foto Google maps)
Início das obras do empreendimento no local do antigo Forte e Palácio Nª Sª da Conceição
na Rua Major Afonso Palla, década de 2000 (arq. priv.)
Aspectos da antiga fachada do Palácio da Conceição no novo empreendimento, actualidade (fotos Paulo Nogueira)
Antigo pórtico do Palácio da Conceição adaptado ao novo conceito arquitectónico"Pastiche" (foto Paulo Nogueira)
Fachada do novo empreendimento e espaços comerciais (foto Paulo Nogueira)
Parte visível da muralha do antigo Forte de Nossa Senhora da Conceição e espaço pedonal (foto Paulo Nogueira)
Detalhes visíveis da muralha do antigo Forte de Nossa Senhora da Conceição
(arq. priv.)
Janela com gradeamento ainda visível do antigo Forte de Nossa Senhora da Conceição (foto Paulo Nogueira)
Aspectos do que resta da muralha do antigo Forte de Nossa Senhora da Conceição (fotos Paulo Nogueira)
Aspectos da muralha do antigo Forte de Nossa Senhora da Conceição
onde se situavam as guaritas e canhoeiras (fotos Paulo Nogueira)
Restos visíveis exteriores da muralha do Forte de Nossa Senhora da Conceição
e espaço pedonal na actualidade (foto Paulo Nogueira)
Texto:
Paulo Nogueira
Fontes e bibliografia:
CAULA, Bernardo de, fl. 1763-1789CASTELO BRANCO, António do Couto de, "Memórias Militares" (1719)
CORREIA, João Tomás, "Livro de Vários Plantas deste Reino e de Castela" (1736)
"Memórias da Barra do Tejo e da Planta de Lisboa", de autor desconhecido (1803)
RIBEIRO, Mário Sampaio, "Da Velha Algés" , sep. Boletim Cultural e Estatístico da Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa (1938)
Revista "Digressão Recreativa, Passatempo Alegre ou Revista do Viver das Praias, na época dos Banhos do Mar, no Corrente Ano de 1870"
Branca de Gonta Colaço e Maria Archer , "Memórias da Linha de Cascais" edição parceria António Maria Pereira, Lisboa (1943)
CALLIXTO, Carlos Pereira, "Fortificações Marítimas do Concelho de Oeiras", 2ª reedição, C.M.O. Julho 2002
CASIMIRO, Jaime, Um forte mal identificado: O Forte da Maruja, in "A Voz de Paço de Arcos", nºs 145-146, Abril/Maio de 2005Publicação on line Gazeta de Miraflores
Site Fortalezas.org.
Muito bom trabalho. Parabéns. João Vieira
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