quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

EXPRESSÕES POPULARES...

 




Muitas das expressões populares que utilizamos no dia-a-dia, têm uma razão de ser e por vezes significados que assentam em factos históricos, quer da nossa cultura quer da cultura mundial. Existem aquelas expressões muito portuguesas assim como outras traduzidas. Estas expressões acabaram por se enraizar na linguagem do dia-a-dia, de Norte a Sul do país, sendo usadas sem que se saiba por vezes a sua origem. As suas origens são controversas mas fundamentam-se em alguns factos, uns mais curiosos que outros, que aqui se irão relatar.


"Rei morto rei posto" é uma expressão popular da língua portuguesa, utilizada no contexto político quando há a necessidade imediata de substituir um governante por outro, sem que haja um grande período de vacância de poder, ou quando alguém de determinada importância, quer sentimental quer de cargo superior, é substituída rapidamente por outra por morte ou demissão. Esta é uma frase comum também em países como o Reino Unido e França; "Le roi est mort, vive le roi!", na tradução para o francês, assim como na língua inglesa, "The king is dead. Long live the king!" ("O rei está morto. Longa vida ao rei!"), e é normalmente proclamada tradicionalmente quando um novo monarca sobe ao trono.


Como exemplos:


" O primeiro ministro demissionário já tem substituto, foi rei morto rei posto!"


" Ela mal enviuvou não perdeu tempo em casar novamente, foi rei morto rei posto."

 

Existem várias teorias de como teria surgido esta expressão, sendo a mais aceite baseada numa clássica história da mitologia grega. De acordo com a lenda, o herói Teseu teria usado esta expressão quando derrotou o Minotauro (criatura mística, metade touro e metade homem) e Minos, o rei lendário de Creta. Imediatamente após derrotar Minos e a criatura monstruosa existente no labirinto do palácio de Knossos em Creta, Teseu herdou o trono de Minos, o amor da esposa viúva e a adoração do povo de Creta. Assim, o "rei morto" do famoso ditado popular seria uma referência a Minos. Esta lenda está, inclusive, narrada no famoso livro "Rei Morto, Rei Posto" (The King Must Die, no seu título original), da escritora britânica Mary Renault (1905 - 1983). Muito embora sendo uma expressão mais comum no âmbito político, "rei morto rei posto", também pode ser utilizada em diversos contextos em que envolva a substituição de alguém de algum cargo ou função, assim como numa relação sentimental, por outra pessoa num curto período.

 

Representação de Teseu lutando com o Minotauro (arq. priv.)
                                                   


                                                           Teseu mata o Minotauro no centro do labirinto, mosaico de 300 a 400 d.C.
                                                                                    (col. Museu Kunsthistorisches, Viena, Áustria)


                                                                           Representação do rei lendário grego Minos (col. priv.)


                                                          Representação do que terá sido o palácio de Knossos em Creta (arq. priv.)



                               Sala do trono do rei Minos no palácio de Knossos, no Labirinto de Creta, Grécia (arq. priv.)



                                                   Ruínas do pórtico norte do palácio de  Knossos em Creta, Grécia (arq. priv.)
 


Iluminura representando a morte do rei São Luís de França (col. priv.)
 
 
Coroação de Filipe III de França, sucessor de São Luís no trono
 francês iluminura em Grandes Chroniques de France,
século XIV-XV (col. priv.)





"Guardado a sete chaves" é uma expressão popular da língua portuguesa, utilizada no sentido de algo que está muito bem protegido ou um segredo muito bem guardado por alguém. Na língua inglesa, a mesma expressão "guardar a sete chaves" não possui uma tradução literal, mas pode ser substituída pela frase "2 under lock and key", que possui um significado semelhante ao da expressão popular em português.

 
Como exemplos:


"Existem peças muito valiosas naquela casa mas está tudo guardado a sete chaves."

 
"Estou a pensar em mudar de casa, mas tem de guardar este segredo a sete chaves!"

 

Segundo algumas teorias esta expressão terá incorporado o número sete pelo facto de ter um significado cabalístico e místico para algumas religiões antigas, principalmente entre os babilónicos e egípcios. Assim, algumas antigas religiões do chamado Crescente Fértil, realizavam rituais de adoração aos sete planetas conhecidos até então. As referências ao número sete, são numerosas: 7 dias da semana, 7 colinas de Roma, 7 cores do arco-íris, 7 pecados mortais...
A palavra "chave" vem do latim "clavus" que queria dizer "prego", dado que inicialmente as primeiras fechaduras que foram usadas em Roma consistiam em duas argolas, uma em cada aba da porta, e entre elas passava um prego. O nome de prego "clavus", mudou ligeiramente para "clavis" que originou a palavra "chave". Na própria narrativa bíblica, o número sete aparece várias vezes como meio de se referir à figura divina ou às acções executadas de forma perfeita. Durante a idade média, as cartas de testamento eram lacradas com sete selos e a formulação desses mesmos documentos também contava com a participação de sete testemunhas. De tal modo, quando dizemos que um segredo ou tesouro esta "guardado a sete chaves", rememoramos toda essa tradição simbólica conferida ao número sete. De acordo com outros registos históricos, esta expressão terá tido origem a partir de um hábito bastante comum entre a realeza de Portugal, durante o século XIII. Todas as jóias, documentos e demais objectos de importância para a Coroa Portuguesa eram guardados num baú especial (também designado de burra), que tinha três a quatro fechaduras diferentes. As quatro chaves, que abriam as fechaduras, eram entregues a quatro funcionários de grande responsabilidade do Reino, sendo necessário a presença dos quatro juntos para que o baú fosse aberto. Naquela época, este era considerado um dos modos mais seguros de se guardar os tesouros e informações secretas. Com o passar do tempo, o acto de guardar algo com várias chaves transformou-se em sinónimo de segurança. O número sete (em vez de quatro) passou a ser utilizado, na expressão popular, devido ao seu valor místico, passando assim a utilizar-se a expressão "guardar a sete chaves". 
Uma outra teoria para a origem desta expressão popular, terá a ver com o número de chaves e por conseguinte o número de portas e grades, que os presos na Cadeia Penitenciária de Lisboa (inaugurada em 1885), tinham desde a entrada naquele estabelecimento prisional até às celas e vice versa. Dai a derivação e se dizer também "estar fechado a sete chaves".


 

                                                                     Representação dos sete planetas da astrologia tradicional
                                                                                          in gravura rosacruz (col. pess.)


Os sete selos de São João simbologia mítica numerológica do Apocalipse (col. pess.)
                                                                                                  
                                                                     

                                                  Sete selos em documento da época medieval (col. priv.)


    Representação em iluminura da Corte portuguesa no séc. XIII com o rei Afonso X, "O Sábio" (col. priv.)


 Pequeno baú designado de burra com três chaves idêntico aos usados no séc. XIII (col. priv.)
                        



                                Aspecto da fachada da Cadeia Penitenciária de Lisboa em meados de 1900 (arq. AML)


                                                                                    Corredor de acesso ao corpo das celas
                                                                                          da Cadeia Penitenciária de Lisboa
                                                                                                      em 1900 (arq. AML)


As várias portas ou grades da Cadeia Penitenciária de Lisboa (arq. priv.)
                            


                                                  As sete chaves simbólicas de algo bem guardado e em segredo (arq. pess.)


 
                                                                 



Texto:
Paulo Nogueira


 
 Fontes e bibliografia:
SANTOS, António Nogueira, Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas, Edições João Sá da Costa, Lisboa
NEVES, Orlando, Dicionário das Origens das Frases Feitas, Lello & Irmãos Editores, Porto
 

 


 

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