Durante os séculos XVII, XVIII e XIX vão surgindo grandes quintas nos arredores da cidade de Lisboa que eram constituídas, na sua maioria, por uma propriedade com casa apalaçada de dois pisos, salvo algumas excepções, piso térreo e superior, área de lazer, jardins, capela e equipamentos de apoio às actividades agrícolas como estrebarias, currais, campos de rega e poços. Eram na sua maioria casas de campo da elite da capital Lisboa onde se juntava o lazer ao rendimento. A cidade de Lisboa devido ao seu clima, luz, situação geográfica e sendo a capital de um vasto império colonial durante séculos, resultaram numa grande quantidade de palácios e quintas mandados construir por famílias nobres ao longo dos tempos. É pois vasta a quantidade de quintas, palácios e palacetes na cidade de Lisboa e nos seus arredores, algumas destas propriedades já desaparecidas ou em vias de desaparecer, mas também alguns casos excelentes exemplos de restauro e reedificação. Umas sendo propriedades privadas ou do Estado, com mais ou menos importância que outras, mas todas elas integradas numa zona, num tempo e época com histórias para contar, influenciando de forma directa e indirecta a origem de certas localidades, assim como toponímias da capital. De todas essas propriedades, existentes, é aqui dado a conhecer alguns desses exemplos.
Quinta da Buraca ou do Bom Pastor
Situa-se esta propriedade na Estrada da Buraca, 8 A, no antigo lugar do Calhariz, na Freguesia de Benfica em Lisboa. A antiga Quinta da Buraca ou do Bom Pastor, data, segundo registos, do século XVII. Num registo do padre António Carvalho da Costa (1650 - 1715), assinala numa descrição sobre a freguesia de Benfica que: "duas casas, huas de hum casal, e outra de hua quinta de Antonio Brum, que chamão as Buracas". Embora a primeira referência à Quinta das Buracas, como era designada, remonte a 1712. Foi apenas na 2ª metade do século XVIII que se configurou o actual conjunto edificado, constituído por casa nobre, estruturas secundárias, jardim de buxo e casa de fresco. O edifício central situa-se à face da Estrada da Buraca, desenvolvendo-se em dois pisos. É secundado por um corpo longitudinal secundário, formando, com o edifício do lagar, o pátio central de entrada. A sul situa-se o pátio de serviço, rebaixado em relação ao caminho de ligação com a quinta. A nascente do edifício nobre estende-se o jardim de buxo, decorado com fonte e pórtico "embrechados", e a parte da quinta que permanece com carácter agrícola, pontuada pela casa de fresco com as suas belas pinturas do tecto de efeito de perspectiva. Dedicada ao cultivo de trigo e produção vinícola, é nos registos da Décima da Cidade que encontramos a mais completa descrição com "Patio, Cazas Nobres, vinha, e terras de semeadura, com hum Moynho de vento, e seis courelas de terra que tudo faz por sua conta, onde asiste, que custuma produzir de anno comum". Em registos de 1756, a propriedade pertencia a Pedro Caetano Brum Pimentel, que aí residia com a sua mulher, Mariana Catarina de Pastori e com os seus 22 criados. Segundo registo do Livro das Almas, no ano de 1764, a propriedade possuindo 14 criados e uma escrava negra, um caseiro e um cocheiro, bem como, para o trabalho agrícola, de um carreiro, um moleiro e um moço de quinta, dando ainda abrigo a um pobre. Desde logo, assegurando o funcionamento do oratório particular da casa, remonta a 1774, o breve pontifício para poder "mandar celebrar o Santo Sacrificio da Missa no Oratorio das Cazas de Sua habitação". Proveniente desse espaço, sobrevive ainda o retábulo da época, vestígio raro do património móvel da quinta neste período, que importa preservar. Nos séculos que se seguiram, uma sucessão de proprietários contribuiu para a consolidação do conjunto habitacional da propriedade, destacando-se Bernardo António da Silva, em cujo tempo foram executados os três grandes painéis monocromos da Real Fábrica do Rato (c. 1780), a escadaria trompe l’oeil e a pintura do tecto da casa de fresco.
A quinta teve vários nomes, devendo o seu nome actual de "Bom Pastor" ao seu proprietário João António Lopes Pastor (1780 - 1850), senhorio da Quinta da Buraca a partir de 1817 a ele se devem algumas adaptações no edifício e as várias intervenções novecentistas ainda hoje conservadas. Conhecido na região por ser um homem íntegro e solidário, ligado à cultura, negociante de sedas do século XIX, proprietário de uma fábrica de tecidos. Grande amigo de Almeida Garrett (1799 - 1854), que chegou a passar temporadas nesta quinta. De relembrar que Benfica e o lugar da Buraca, eram uma região de campo, com belas paisagens, ideal para descanso e lazer. São várias as notícias das temporadas passadas nesta quinta, repetidamente citadas pelo próprio escritor nas suas Prosas, não deixa de evocar a casa do "Pastor", os "fructinhos", os "chuchus e as limas que vieram da Buraca". Outras figuras da história passaram por esta propriedade, por volta de 1852, como a infanta D. Maria Amélia de Bragança (1831 - 1853), filha do rei D. Pedro IV (1798 - 1834), na companhia de sua mãe a imperatriz D. Amélia. Em 1834, por despacho, a Direcção das Águas Livres autorizou a Quinta de João António Lopes Pastor a utilizar as águas sobrantes do chafariz da Buraca. De recordar que parte do Aqueduto das Águas Livras faz paredes meias com esta propriedade e o chafariz de espaldar, ostentando uma tabela com a pedra de armas reais de D. José I, existente no cruzamento da Estrada da Buraca, que data de 1771. Entre outras funções, este chafariz destinava-se também a abastecer a comitiva real nas deslocações que fazia então ao Palácio de Queluz, quando por ali passavam. Nos registos esta propriedade em 1873, tinha a designação de Quinta do Macaísta, sendo o seu proprietário José Maria Pastori.
Com a construção da Linha de caminho de ferro de Sintra, que passa junto à propriedade e inaugurada em 1887, toda a área circundante à quinta desenvolveu um maior aglomerado habitacional e o ambiente campestre, bucólico de outros tempos foi gradualmente mudando. O núcleo urbano da região foi evoluindo e aumentando, trazendo novos habitantes. Ao longo do século XX, esta propriedade conheceu diversos donos, entre eles a viúva Gordon e o marquês de Fontes. António Maria de Fontes Pereira de Melo Ganhado (1886 - 1969), 3º Marquês, Engenheiro dos Caminhos de Ferro, mecenas e administrador do Jardim Zoológico de Lisboa, adopta a Quinta do Bom Pastor para sua residência de Verão. Foi responsável por alguns melhoramentos estruturais e manutenção da propriedade em 1923. Na década de 1940, este último proprietário pondera a venda da quinta para fins industriais, mas é em 1954 que vende a propriedade com 29.200 metros quadrados à Câmara Municipal de Lisboa, que por seu turno, a cedeu ao Patriarcado de Lisboa. No ano de 1962, o Patriarcado mandou restaurar o palácio e recuperar o jardim e hortas, tendo sido nessa altura construída na quinta uma casa de retiro a que foi dado o nome de Casa de Retiro do Bom Pastor, inaugurada em 1964. O palacete da quinta por essa altura, converte-se em residência do Cardeal D. Manuel Cerejeira (1888 - 1977), até à sua morte, em 1977. Igualmente o antigo líder António de Oliveira Salazar (1889 - 1970), após a queda sofrida em 1968, passou os seus últimos dias, antes da sua morte no palacete desta propriedade. Tratando-se de um conjunto que teve intervenções ao longo de vários séculos, importou recentemente nas últimas obras de restauro, primeiramente identificar quais os valores a preservar, desde elementos originais do edifício como cantarias e balaustradas em pedra e gradeamentos em ferro, mas também uma sucessão de intervenções decorativas, como os painéis de azulejos decorativos (interiores e exteriores), a fachada de azulejos relevados voltada para o jardim de buxo, os "embrechados" e os frescos no tecto do pavilhão/casa de fresco, edifício este convertido numa pequena capela, mas mantendo as suas características arquitectónicas originais. De forma a manter a integridade dos elementos decorativos procurou-se uma reintegração recorrendo, o mais possível, a materiais idênticos aos existentes, um excelente trabalho de restauro exemplar. A Quinta do Bom Pastor, com dois edifícios: o palacete, onde passam a funcionar os serviços da Conferência Episcopal, e as casas de construção recente, que serviam para cursos e retiros que, após obras de requalificação e a necessária adaptação, foram transformadas nas instalações da Rádio Renascença. Em maio de 2016, passaram a estar instaladas nos espaços anexos desta propriedade as rádios do Grupo Renascença Multimédia, a Rádio Renascença, RFM, Mega HITS, Rádio SIM, a promotora Genius Y Meios e Intervoz. A bênção das novas instalações foi feita por D. Manuel Clemente, Patriarca de Lisboa e Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa. Foi desta forma, realizado um trabalho de restauro exemplar ao palacete e jardins envolventes, dando uma nova vida ao espaço desta propriedade do século XVIII. A Quinta do Bom Pastor foi reconhecida em 1994, com a classificação de Imóvel de Interesse no Inventário Municipal do Património da Câmara Municipal de Lisboa, e destacada em 2002 no Plano de Pormenor do Calhariz, fazendo parte do percurso pedonal do roteiro histórico cultural de Benfica.
Texto:
Paulo Nogueira
Fontes e Bibliografia:
PROENÇA, Padre Álvaro, Benfica através dos tempos, Lisboa, edição Ulmeiro, 1954
STOOP, Anne de, Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa, Lisboa, Civilização, 1986
CALDAS, João Vieira, A Casa Rural nos Arredores de Lisboa no Século XVIII, Lisboa, 1987











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