Muitas das expressões populares que utilizamos no dia-a-dia, têm uma razão de ser e por vezes significados que assentam em factos históricos, quer da nossa cultura quer da cultura mundial. Existem aquelas expressões muito portuguesas assim como outras traduzidas. Estas expressões acabaram por se enraizar na linguagem do dia-a-dia, de Norte a Sul do país, sendo usadas sem que se saiba por vezes a sua origem. As suas origens são controversas mas fundamentam-se em alguns factos, uns mais curiosos que outros, que aqui se irão relatar.
"Ficar a ver navios" é uma expressão popular da língua portuguesa com origem como tantas outras na cidade de Lisboa e que se espalhou de norte a sul sendo também usada no Brasil e em alguns países de língua portuguesa. Significa ser enganado, ludibriado, ver as suas expectativas serem frustradas e ficar desiludido.
Uma expressão equivalente em inglês seria "left high and dry".
Como exemplos:
"Ele disse que me daria boleia para a festa, mas não apareceu e eu fiquei a ver navios."
"Ela disse que o seu amor por ele era grande no entanto coitado ficou a ver navios"
A expressão "ficar a ver navios" surgiu em Portugal e há algumas histórias que podem explicar a sua origem. Para alguns autores a expressão "ficar a ver navios" no sentido de ser enganado por alguém, poderá remontar a 1492 quando foi determinado que, os judeus que não se convertessem ao catolicismo teriam de deixar o reino de Espanha até ao fim de julho. Milhares então deslocaram-se para Portugal. O casamento do rei D. Manuel I (1469 - 1521), com D. Isabel de Aragão (1470 - 1498), filha dos Reis Católicos, fez com que aceitasse a exigência espanhola de expulsar todos os judeus que viviam em Portugal e que não se tornassem católicos, num prazo que ia de janeiro a outubro do ano de 1497. O rei D. Manuel I precisava dos judeus portugueses, pois representavam toda a classe média e a mão-de-obra, eram também uma grande influência intelectual. Se Portugal os expulsasse como fez a Espanha, o país teria que enfrentar uma grande crise. Contudo, D. Manuel I não tinha qualquer interesse em expulsar esta comunidade. O rei de Portugal tinha esperança que, retendo os judeus no país, os seus descendentes pudessem talvez vir a ser cristãos, como resultado da influência da cultura católica em Portugal. Para que isso acontecesse, tomou medidas extremamente drásticas, chegando a ordenar que os filhos menores de 14 anos fossem tirados aos pais para que fossem convertidos. Depois fingiu marcar uma data de expulsão na Páscoa. Quando chegou a data do embarque, dos que não aceitaram o catolicismo, ele afirmou que não havia navios suficientes para os levar e ordenou um baptismo em massa dos que estavam reunidos em Lisboa esperando o transporte para outros países. No dia marcado, estavam todos os judeus no porto esperando os navios que não vieram. Todos foram convertidos e baptizados. O rei então declarou: não há mais judeus em Portugal, são todos cristãos (os chamados cristãos-novos). Muitos foram arrastados, segundo crónicas da época, até à pia baptismal pelas barbas ou pelos cabelos. Deste acontecimento surgiu a expressão: "ficaram a ver navios", porque tinham sido enganados.
Outros autores atribuem a explicação ao tempo das grandes navegações e descobertas, muitos portugueses ficavam em Lisboa, no Alto de Santa Catarina, que é um ponto alto da cidade com vista para a barra do Tejo, esperando as caravelas que vinham de continentes além-mar, trazendo os vários tesouros, eram por norma armadores, outros eram sebastianistas que acreditavam no retorno de D. Sebastião (1554 - 1578), rei de Portugal, desaparecido em África, na Batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. O povo português recusava-se a acreditar na morte do seu rei e por isso, era comum algumas pessoas ficarem no Alto de Santa Catarina, em Lisboa, esperando o rei um dia chegar. É certo que o D. Sebastião nunca regressou, e por isso essas pessoas "ficaram a ver navios", ou seja, ficaram desiludidas porque aquilo que esperavam não se concretizou.
Outros autores atribuem a explicação ao tempo das grandes navegações e descobertas, muitos portugueses ficavam em Lisboa, no Alto de Santa Catarina, que é um ponto alto da cidade com vista para a barra do Tejo, esperando as caravelas que vinham de continentes além-mar, trazendo os vários tesouros, eram por norma armadores, outros eram sebastianistas que acreditavam no retorno de D. Sebastião (1554 - 1578), rei de Portugal, desaparecido em África, na Batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. O povo português recusava-se a acreditar na morte do seu rei e por isso, era comum algumas pessoas ficarem no Alto de Santa Catarina, em Lisboa, esperando o rei um dia chegar. É certo que o D. Sebastião nunca regressou, e por isso essas pessoas "ficaram a ver navios", ou seja, ficaram desiludidas porque aquilo que esperavam não se concretizou.
Uma outra explicação bastante parecida, consiste no facto de na altura, as mulheres ficarem em casa, esperando os maridos que tinham embarcado nessas longas viagens em busca dos "novos mundos". Depois de muito tempo, as mulheres ficavam observando os navios que chegavam ao Tejo para encontrarem os seus maridos, muitas vezes sem sucesso. Então surgiu a expressão: "Ficou a ver navios", ou seja, ficou à espera de algo que não veio.
Já uma outra explicação diferente, ficou associada à chegada tardia do general francês Jean Junot (1771 - 1813), a Lisboa, em novembro de 1807, durante as Invasões Francesas. Diz a lenda que, do alto do miradouro de Santa Catarina, o general ficou a ver, impotente, a esquadra que transportava a Corte Portuguesa sulcando o Tejo rumo ao Brasil. E daí a expressão "ficaram a ver navios", a partirem literalmente, falhando assim a captura da família real portuguesa. Este acontecimento deu também origem a várias sátiras e caricaturas cómicas em jornais da época, nomeadamente ingleses.
Alusão ao casamento D. Manuel I com D. Isabel de Aragão (arq. priv.)
Rei D. Manuel I 1469-1521 (col. priv.)
Judeus forçados à saída de Portugal (col. pess.)
Vista geral da cidade de Lisboa durante a época dos Descobrimentos em 1572 (col. priv.)
Navio português do séc. XV em busca de "novos mundos"
(col. pess.)
Rei D. Sebastião 1554-1578
(col. Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa)
Pormenor de painel de azulejos do Palácio dos Condes de Tentúgal séc. XVII
com vista do Alto de Santa Catarina (col. Museu do Azulejo, Lisboa)
Embarque do príncipe regente D. João VI para o Brasil por Giuseppe Gianni (col. pess.)
Caricatura de um jornal inglês alusivo à partida da família real portuguesa para o Brasil e Junot
em 1 de janeiro de 1808 (col. Brown University Library)
Miradouro da Santa Catarina em Lisboa na actualidade de onde ainda se conseguem ver navios (arq. pess.)
"Rés-vés Campo de Ourique", é uma expressão popular da língua portuguesa que tal como muitas outras tiveram origem na cidade de Lisboa e logo se espalharam de norte a sul do país. Significa em sentido figurado, que algo ou alguém ficou por perto ou à justa de algum obstáculo ou de um acontecimento.
Como exemplos:
"Ao entrar na sala ias deitando o candeeiro ao chão, foi rés-vés Campo de Ourique"
"Hoje ias chegando atrasado para a reunião das nove horas, foste tu a chegar e ela a começar, foi mesmo rés-vés Campo de Ourique"
"Rés-vés Campo de Ourique" é uma expressão popular da língua portuguesa para a qual existem algumas explicações plausíveis. Alguns autores afirmam que estará associada ao Grande Terramoto de Lisboa em 1755 que foi seguido de um maremoto, que por sua vez atingiu a cidade e arredores, matando milhares de pessoas. A força do maremoto, segundo as crónicas da época, foi de tal ordem que as águas entraram por Lisboa dentro e chegaram à zona que hoje equivale a parte da Avenida da Liberdade e chegaram, segundo essas crónicas, perto de Campo de Ourique. Foi portanto "rés-vés". Outros atribuem ao facto de com o Grande Terramoto de 1755, o grande Aqueduto das Águas Livres com os seus 35 arcos, ter sobrevivido sem fissuras. Visto ficar situado na junção de duas placas tectónicas do designado Cretáceo Superior (época geológica), muito perto de uma falha sísmica, a de Campo de Ourique. Dai ter sido "rés-vés Campo de Ourique". Outros autores ainda atribuem o sentido da expressão ao facto de no traçado urbano da cidade de Lisboa oitocentista, quando a Estrada da Circunvalação atravessava o bairro de Campo de Ourique, pela mais tarde rua Maria Pia, ficar "por um triz, por pouco, à justa", como parte limítrofe da cidade, generalizando-se a partir daí a expressão nos meios populares de "rés-vés". Outra tese defende que esta expressão surgiu com o carro eléctrico da carreira 24 da Companhia da Carris de Ferro de Lisboa (CCFL), que fazia o percurso entre o Largo do Carmo e Campolide. Este carro eléctrico quase roçava, segundo relatos, na esquina da Real Panificação na rua Silva Carvalho em Campo de Ourique, e um passageiro colocando a mão fora da janela, tocava no edifício, era portanto "rés-vés Campo de Ourique".
Lisboa antes e durante o Grande Terremoto de 1755 in gravura de Mateus Sautter séc. XVIII (col. priv.)
Grande Terramoto acompanhado de maremoto em Lisboa no ano de 1755 (col. pess.)
Perspectiva do grande Aqueduto das Águas Livres de Lisboa em meados do séc. XVIII (col. pess.)
Aspecto de Campo de Ourique no início do séc. XIX (col. pess.)
Mapa da cidade de Lisboa e seus limites em 1833 com um dos limites em Campo de Ourique
assinalado a amarelo (col. pess.)
Esquina da Real Panificação em Campo de Ourique (arq. priv.)
Carro eléctrico turístico numa rua estreita de Lisboa quase roçando a esquina do prédio
à semelhança do que acontecia em Campo de Ourique (arq. LUSA)
Texto:
Paulo Nogueira
Paulo Nogueira
Fontes e bibliografia:
SANTOS, António Nogueira, Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas, Edições João Sá da Costa, Lisboa
NEVES, Orlando, Dicionário das Origens das Frases Feitas, Lello & Irmãos Editores, Porto
Sem comentários:
Enviar um comentário